Acervo de Guiomar Novaes é encontrado em Piracaia (SP), e é enviado ao IPB
Nesta semana, o IPB está recebendo um dos acervos mais importantes ligado à história do piano brasileiro. Abaixo apresentamos todos os detalhes.
ACERVO DE UMA DAS MAIORES PIANISTAS DO BRASIL É ENCONTRADO EM PIRACAIA (SP)
Texto de Thamires Specht enviado ao Instituto Piano Brasileiro
"Uma das maiores pianistas do Brasil e com destaque internacional, GUIOMAR NOVAES, foi amiga da também pianista NEY ÁVILA BLANCO, cujo laço de amizade fez com que esta última guardasse, com muito carinho, recortes de jornais, revistas, fotografias e cartazes de apresentações realizadas no Brasil e no exterior sobre sua ilustre amiga.
Moradora da cidade de São Paulo por muitas décadas, Ney Ávila, já com certa idade, optou pelo sossego do interior paulista, fixando residência na pequena cidade de Piracaia, para onde transferiu seu rico acervo. Em decorrência de seu falecimento, ocorrido no ano passado, o casarão pertencente à Ney Ávila, localizado numa das principais ruas da cidade interiorana, foi colocado à venda por sua família.
O acervo de Ney Ávila sobre Guiomar Novaes permaneceu no casarão até que uma pessoa interessada na compra de móveis e antiguidades defrontou-se com parte do mesmo. Percebendo a importância histórica do material, recolheu o que pôde e entregou nas mãos do historiador local, Valter Cassalho. Os arquivos encontrados estavam deteriorando-se pelo tempo e pelo mau estado de conservação após a morte de sua possuidora. Impulsionado pelo forte desejo de preservar a história local, pois Ney Ávila foi uma moradora de grande importância para a cidade, inclusive para a Igreja Presbiteriana de Piracaia, em que era frequentadora assídua enquanto sua saúde assim permitiu, o historiador entrou em contato com Instituto Piano Brasileiro, localizado em Brasília/DF, cujo curador manifestou interesse em receber o material encontrado.
Para a limpeza do casarão vendido, os familiares de Ney Ávila colocaram uma caçamba de entulhos em frente o imóvel. Entre restos de papéis, plantas e lixo, outra parte do acervo pertencente à falecida proprietária foi encontrada contendo diversos livros, partituras e mais itens sobre a pianista Guiomar Novaes. Dessa vez, foi o próprio historiador local, Valter Cassalho, que conseguiu garimpar os materiais e fez uma nova remessa ao Instituto Piano Brasileiro. Em seguida, os moradores da cidade, Fabio Rolfsen (professor de história da arte) e Luiz Carlos Santana (professor de história), ambos membros do Conselho de Cultura de Piracaia e apaixonados por música, conseguiram entrar na caçamba de entulhos e resgatar uma grande parte do acervo que se encontrava mais ao fundo, enviando-o, também, ao IPB, após terem sido aconselhados por uma biógrafa de Guiomar Novaes.
Desta forma, as pessoas acima não só resgataram uma importante parte da vida de Guiomar Novaes – um rico acervo que ficou guardado por anos – bem como evitaram que parte da história da música brasileira se perdesse para sempre. No entanto não é possível mensurar a extensão da perda nem o quanto representa, em termos de número, o que foi resgatado.
Infelizmente, a falta de conhecimento e de interesse por parte das pessoas quando se defrontam com “coisas antigas” – pelo falecimento do possuidor ou quando se deparam com papéis, revistas e diários antigos – faz com que levem tais itens, literalmente, ao lixo, sem ao menos se importarem com a memória que guardam, com o que representam e a importância que podem ter para o patrimônio nacional.
Segundo o historiador Valter Cassalho, não é a primeira vez que ele presencia isso em sua região, relatando que certa vez o chamaram para ver um lixo jogado de uma casa antiga que fora vendida, encontrando fotos antigas do início do século XX de fundadores de sua cidade, Joanópolis (cidade vizinha à Piracaia) bem como diplomas de cursos de medicina do século passado, entre outras preciosidades. “As pessoas precisam se conscientizar do acervo que possuem em suas casas, e quando alcançarem idade mais avançada, praticar o desapego, encaminhando-o para museus ou memorialistas. Ainda, nesta era digital, deveriam permitir que seus arquivos sejam copiados, fotografados, digitalizados, a fim de que a história seja compartilhada e a memória do seu detentor possa subsistir a sua morte”, declarou Cassalho.
O coordenador o Instituto Piano Brasileiro, Alexandre Dias, informou que o acervo resgatado e enviado a Brasília está sendo digitalizado e disponibilizado ao público por meio do Facebook do IPB, nas suas dependências em Brasilia-DF e no site www.institutopianobrasileiro.com.br ".
Publicamos a seguir o depoimento enviado pelo Sr. Fábio Arruda Rolfsen:
“No dia 01/08/2018, fui alertado por minha esposa Alexsandra que havia uma caçamba de lixo que estava sendo retirado de uma antiga casa no centro de Piracaia. À noite, no caminho da padaria, ao passar defronte à casa, sob frio e garoa fina, decidimos parar e verificar a caçamba, que poderia conter objetos de algum valor histórico. Imediatamente reconhecemos que estavam ali diversos livros de partituras muito antigos, que começamos a recolher. Começaram a aparecer fotografias, negativos, cartões postais, recortes de jornais, correspondências familiares, programas de concertos, passagens aéreas e de navio, quase todas contendo o nome da pianista Guiomar Novaes. Os documentos datavam da primeira década do século XX até meados dos anos 1960 e 1970. Imediatamente telefonei pedindo ajuda ao amigo Luiz. Assim, eu, Alexsandra, Luiz e sua esposa Regina, passamos a vasculhar o conteúdo da caçamba e carregar aqueles documentos que, já estava bem claro, poderiam ter saído do acervo particular da pianista Guiomar Novaes. No dia seguinte, Luiz fez contato com o Museu de São João da Boa Vista, e eu falei com Maria Stella Orsini, biógrafa de Guiomar, buscando o melhor destino para os objetos salvos do lixo. Através do pianista Nelson Freire, chegou-se ao Instituto Piano Brasileiro, que demonstrou grande interesse em digitalizar e disponibilizar o acesso ao acervo, para onde os objetos estão sendo enviados.
Naquela noite a sopa ficou sem pão... a padaria fechou enquanto revirávamos o lixo, com terra, cacos de vidro e plantas mortas... Mas já estávamos com o espírito bem alimentado, e dormimos satisfeitos porque fizemos uma pequena parte ao ajudar a resgatar, valorizar e preservar a história e a Arte no nosso País.”
Luiz Carlos Santana é historiador, professor e músico.
Fábio Arruda Rolfsen é arquiteto e professor.
Somos imensamente gratos aos Srs. Valter Cassalho, Fabio Arruda Rolfsen e sua esposa Alexsandra da Silva Costa Rolfsen, e Luiz Carlos Santana, por terem resgatado este acervo de importância incomensurável, em um ato verdadeiramente iluminado, e por terem-no enviado ao Instituto Piano Brasileiro que já esta digitalizando e catalogando todo o material. Em breve divulgaremos mais notícias.
Valter Cassalho, historiador local (Piracaia - SP)
Luz Carlos Santana, professor de história, Alexsandra Rolfsen e Fabio Rolfsen, professor de história da arte, em frente à caçamba de onde resgataram boa parte do acervo de Guiomar Novaes, que pertencia à D. Ney Ávila, em Piracaia (SP)
Fabio Rolfsen e sua esposa, Alexsandra da Silva Costa Rolfsen
Luiz Carlos Santana e sua esposa, Regina Santana
Fachada do casarão de D. Ney Ávila Blanco, em Piracaia (foto de Valter Cassalho)
Apresentamos abaixo algumas imagens do acervo de D. Ney Ávila Blanco, já digitalizadas pelo IPB:
Guiomar Novaes ao lado de seus filhos e de seu esposo, Octavio Pinto, em 1930.
Guiomar Novaes era vizinha do escritor Monteiro Lobato, autor de O Sítio do Pica-pau Amarelo. Por incrível que pareça, ela serviu de inspiração para a criação da personagem Narizinho (a menina do nariz arrebitado), por seu perfil característico, que pode ser visto nesta imagem.
Guiomar Novaes ao piano. Data desconhecida (provavelmente década de 1930).
Guiomar Novaes na frente do Conservatório de Santos, em meio a dezenas de alunos.
Guiomar Novaes, uma das poucas brasileiras, e talvez a primeira, a se tornar artista Steinway
Na década de 1940, Guiomar Novaes era promovida nos EUA como "A maior pianista mulher da atualidade".
Guiomar Novaes (2ª da esquerda para a direita) e o compositor Hekel Tavares (último à direita). Guiomar tocou o Concerto em formas brasileiras, de Hekel Tavares em 1942 no TMRJ, sob regência do próprio compositor.
Matéria sobre Guiomar Novaes escrita pelo maior crítico de música americano, Harold Schonberg. High Fidelity Magazine, 1958.