Cartas de Guiomar Novaes (Parte 4)

Neste post publicamos a quarta parte das transcrições das cartas de Guiomar Novaes enviadas a seu ex-professor Luigi Chiaffarelli.

Leia aqui a parte 1 com a explicação introdutória sobre a origem destes documentos; e acesse aqui a parte 2, e a parte 3.

Apoie o IPB tornando-se um assinante e invista na cultura brasileira! https://www.catarse.me/institutopianobrasileiro

Correspondência 34 [PDF]

"Martha Washington Hotel

29 East – 29 Street

N. York – 3.II.1916

Caríssimo Sr. Chiaffarelli,

O senhor não pode imaginar com que prazer recebo suas notícias e com que saudades!

Desejava escrever-lhe mais vezes mas só temos correio direto de 15 em 15 dias – O frio continua muito amavelzinho com os seus 16, 17, até 18 graus abaixo de zero... Mas gosto muito e mamãe, (apesar das imensas saudades) passa muito bem e entretida horas e horas com a Bíblia – é realmente tão interessante! – Tenho aproveitado muito a boa música, só sentindo o bondoso Sr. Chiaffarelli aqui não estar também. – Ontem ouvi um concerto de órgão (pela pianola da Aeolian, muito aperfeiçoada) na sala Aeolian, de fazer arrepiar os cabelos – tem registros que ainda não conhecia. Tocaram uma fantasia de Saint-Saëns, feita especialmente para esse órgão – que coisa maravilhosa! Quando o som começou a repercutir por toda a sala e os sinos a tocar parecia estar no outro mundo, até pensei no dia do juízo! = Envio-lhe hoje dois interessantes programas. Devo dizer-lhe que a mais profunda impressão que tive até hoje aqui, foi a do pianista Hofmann- é um colosso!!!! ............

Completo – não sei o que esse homenzinho faz, para tocar de uma maneira sublime! Não sei o que foi mais perfeito desse programa – Ele mostrou tanta variedade de cor na Valsa de Chopin (que se ouve tanto) que parecia outra música – A Valsa de Strauss foi fantástica! (Lembrei-me com saudade do tempo que estudei isso – “do tempo da minha mocidade” ... como diz Sr. Chiaffarelli).

Envio-lhe também o do meu 1º concerto aqui, mas não foi exatamente este, o outro não posso encontrar! Devo dar um recital no dia 28 deste em Boston e um aqui no dia 8 de março – Não estou mais com o empresário Hanson, pois ele quis abrir um contrato por 5 anos aqui e sem garantia – Um amigo do Dr. J. C. Rodrigues, advogado aqui, Mr. Purrington, aconselhou-me de não aceitar – O de Boston é Mr. Urchs, sócio da casa Steinway, quem está organizando e o daqui é o empresário Charlton (o mesmo de Bauer e Casals). Esses dois grandes artistas são sempre muito amáveis para comigo, assim como as suas senhoras.  – Dou-me também com os Schelling – como são bons! Deram domingo último uma recepção oferecida a Granados (este tem feito muito sucesso aqui) e basta dizer-lhe que havia artistas de 18 nacionalidades – Como foi interessante! – Tive o prazer de falar com Kreisler, Godowsky – ah! Contei-lhe que tinha estudado com um grande admirador dos seus arranjos dos estudos de Chopin, Mr. L. Chiaffarelli à São Paulo, ficou radiante e fez-me mil perguntas e manda-lhe “tous ses meilleurs compliments” [todos seus melhores cumprimentos].

O hotel em que estamos é só para senhoras: é bom e simples – a vida aqui é caríssima!

A companhia Aeolian contratou-me para tocar no pianola – Não tenho tempo para continuar esta, estou com medo que não alcance o Vauban amanhã. Abraço a Hildegard".

 

Correspondência 35 [PDF]

"Hotel Martha Washington

29 East 29th Street

New York – 3.III. 1916

Caríssimo Sr. Chiaffarelli

Acabo de chegar de Boston – tudo correu muito bem mas só o frio lá estava terrível!!!

Gostei muito daquela gente – o senhor não imagina como gostaram de “Il Neige”. Pois tive de repetir e diversos comp. desejam muito conhecer as composições do “nosso” grande e querido Sr. Oswald! Tenho muita coisa interessante a contar-lhe mas hoje não tenho mais tempo – Saudades sem conta e um grande abraço da Guiomar".

 

Correspondência 36 [PDF]

[incompleta]

"(...) Peço-lhe não reparar o papel cortado, estou com medo que fique muito pesado – Encontrei também com um amigo do sr. Alfredo Oswald, Spalding, grande admirador do Sr. H. Oswald – Dizem ser um excelente violinista – Há aqui em N.Y. uma senhora da alta aristocracia, Mrs. Lanier, e que muito faz pela arte na América – Pertence a diversas sociedades de música, organiza esplêndidos concertos, etc. – Pois bem, essa senhora, não sei como, apareceu no meu concerto e tem se interessado por mim. É muito amiga de Mme. Bauer, Mrs. Schelling – etc. – Foi quem aconselhou-me de dar o concerto em março e também foi quem arranjou-me o empresário – Pois como senhor deve saber, é impossível dar concertos aqui sem empresários e e eles estão tão ocupados, foi uma sorte mesmo arranjar este. – Enfim, tenho gostado muito deste meio –

Passei muitas horas deliciosas com Vitalina Brasil, durante as semanas que aqui esteve – sinto perder esta boa companhia – pois vai amanhã – estou com água na boca de vê-la partir! Mas daqui a pouco também (se Deus quiser) aí estarei para conversar bastante com o caro Sr. Chiaffarelli e ouvir seus preciosos conselhos – Mamãe e eu muito nos recomendamos a D. Guilhermina, Liddy – beijo os netinhos e cumprimento o sr. Cantú – Ao senhor um grande e saudoso abraço de quem nunca lhe esquece – a Guiomar"

 

Correspondência 37 [PDF]

"Hotel Martha Washington

Exclusively for women

29 East 29th Street

New York  28.IV.1916

Meu bom e querido Mestre,

Aqui vão muitas e muitas saudades e mil agradecimentos pelo amável postal que recebi ontem – o senhor recebeu uma carta minha do mês de fevereiro? Lhe escrevi justamente na ocasião que Vitalina voltou – Soube que o senhor esteve doente e peço a Deus que esteja completamente restabelecido – Já estamos na primavera mas o frio continua... Mamãe teve uma forte influenza mas graças a Deus agora está melhor. Tenho esperança que ela possa voltar no próximo inverno – pois digo-lhe sempre que se não voltar, eu também não volto! Pois vivo tão tranquila na sua companhia incomparável! Na próxima segunda-feira, 1º de maio, assinarei um contrato para a próxima estação aqui, com o empresário Frothingham Inc. – É uma nova companhia que dizem ser muito boa e com menos serviço que o empresário Charlton que tem mais de 10 artistas – O senhor bem pode imaginar a dificuldade para arranjar “um bom negócio” agora aqui, onde estão tantas celebridades e que frequentam os Estados Unidos há mais de 15, 20 anos! É até mesmo arriscar! Mas Deus tem me ajudado – Ainda ontem Mr. Urchs (um dos sócios da casa Steinway) aconselhou-me muito em voltar pois acha que poderei fazer uma boa carreira aqui – como o senhor sabe, leva tempo! E as despesas são enormes! .... Imagine o senhor que só em reclames, que o empresário deve começar fazer agora, por todo os Estados Unidos, vai gastar #2.000!!! (Penso que pelo câmbio atual, são 8.000#000, não é?). Agora depende da sorte que eu tiver, porque não garantem nada! Do que eu fizer, receberão em cada concerto 35% −

Fiquei satisfeita com o resultado dos 2 últimos concertos – No 2º Mrs. Lanier (de quem já lhe falei na última carta) passou todos os camarotes do Aeolian – Que bondade não? No 3º, na porta venderam quase todos e uma boa parte da plateia – Todos acharam a venda – até Casals! O senhor não imagina como os Casals são simpáticos! Mrs. Casals tem uma pequena voz deliciosa e canta com tanta arte e sentimento, que faz comover a gente!

Já escrevi 2 vezes daqui à D. Alda, para a R. Vital 43, Paris – não tendo resposta, não sei se é ainda o mesmo endereço – Eu tinha tanta vontade de mandar vir os meus objetos que deixei em Paris – mas não sabendo onde está D. Alda, é muito difícil! Hoje escrevo ao meu cunhado Armando, que tem sempre negócio com a casa Block em Paris, pedindo-lhe que escreva a Paris, nesse sentido – pois sendo por casa de negócio, penso ser mais fácil – De Mr. Philipp, tenho sempre notícias agora. No meu último concerto tive de mudar “à última hora” o programa – a conselho de algumas pessoas, toquei os Estudos Sinfônicos de Schumann – nesse caso não pude tocar como desejava “Chauve-souri” e Chemin de fer. Desejo tocar bastante música brasileira para o ano – Devo tocar com orquestra (Concerto de Grieg) num grande Festival no dia 6 de junho, em Norfolk – me pagarão 1.500#000 –

Hoje não tenho tempo de contar-lhe sobre os últimos concertos – peço-lhe desculpas! Muitas recomendações de mamãe ao senhor e à sua querida família – o mesmo faz, enviando a todos afetuosos abraços a sempre grata amiguinha Guiomar.

P.S. Se Deus quiser voltaremos depois do dia 6 de junho – estamos radiantes! Mas tenho de voltar outra vez em setembro! ... Tão pouco tempo..."

 

Correspondência 38 [PDF]

"Adirondacks

The Deer’s Head Inn

Elizabethtown

N.Y.

20.VIII.1916

Viva o muito querido Sr. Chiaffarelli!

Aqui vão as minhas felicitações, no mais afetuoso abraço – pela festa natalina do meu caríssimo Mestre!

Mil agradecimentos pela carta que o senhor tão bondosamente escreveu-me – mas não me consolo até hoje, por não ter recebido a sua carta do mês de março – que correio mau!... – Mamãe e eu ficamos tão tristes por sabermos do sofrimento de Liddy – coitadinha! Em minhas orações não me esqueço de pedir por sua saúde – pois fora disso ela é tão feliz! = Aqui estamos há duas semanas, onde viemos procurar fresco, pois em N.Y. está simplesmente sufocante o calor – muitas pessoas estão morrendo de insolação e também está dando uma epidemia de horrível paralisia, principalmente nas pobres crianças! Estive em Newport, onde fui tocar em benefício das crianças pobres – Foi Mrs. Lanier e outras senhoras que arranjaram esse concerto. Mrs. Lanier convidou-me para passar uma semana em sua linda “Villa”- nessa chic praia de banhos – Gostei muito – Tive ocasião de visitar magníficos castelos e ver a aristocracia americana – fiquei encantada da simplicidade das famílias – não mostram ter a menor pose, nem vaidade – bonito, não? (Recebi por esse concerto 300 dollars). Toquei também em julho em N.Y. com orquestra numa sala enorme demais para concertos mas esses são lá por serem de preços populares – Foi o concerto de Grieg – Afinal à última hora não assinei o contrato Frothingham, a conselho de muitas pessoas – Assinei então um com o Charlton mesmo, que parece se interessar – mas este aqui é um empresário graúdo .... não faz as despesas do concertista, isto é, dos concertos – o concertista é que paga tudo! E ele recebe 15% - como é bom ser empresário assim, não? Mas para todos os artistas ele faz isso – e tem fama de ser o empresário mais consciencioso de N.Y. – ainda bem! ... Devo tocar em 5 de outubro a uma hora distante de N.Y. e depois tem outros concertos que ainda não sei a data – os preços variam, entre 150 a 300 dollars – para começar serve, não? O senhor bem pode imaginar as despesas que vou ter por tudo isso – mas faço com prazer – Devo dar um recital em N.Y. a 22 de novembro (dia de Santa Cecília...). Desejo muito tocar uma música brasileira, ou algumas, qual ou quais devem ser? Ainda não tenho ideia para o programa...às vezes penso em começar com o C. Franck, o que acha o senhor? Às vezes penso em tocar também a Sonata de Liszt, afinal, ainda não decidi – Estou estudando agora o Concerto de Chopin em fá m. – quando toco o Andante lembro-me sempre de D. Antonietta – Preparo também o 4º. Concerto de Saint-Saëns – como é ingrata a 2ª. parte, não?

 

Os grandes artistas preparam surpresas para a próxima estação – Godowski toca pela 1ª vez a 8 de outubro. Apesar de ele não me comover muito, admiro-o muito! Tem umas ideias tão claras e tão extraordinárias! = Uma grande parte dos artistas está em Bar Harbor – Envio-lhe esta interessante foto:

Esse instantâneo de Kreisler, tirei em Norfolk, pois ele também tomou parte no Festival Stöeckel – o outro grupo é de Norfolk também; no fundo está Kreisler e no canto à direita o escritor Krehbiel.

Devo acabar esta neste momento, do contrário não vai por este correio – Adeus Sr. Chiaffarelli! Muitas lembranças de mamãe e minhas à D. Guilhermina, aos Cantùs; e aos Cantuzinhos muitos beijos!

Ao senhor saudades e mais saudades da Guiomar".

 

Correspondência 39 [PDF]

"Hotel Martha Washington

29 East 29th Street

New York

20.X. 1916

Caríssimo mestre!

Tenho tantas saudades suas e das suas letras que há muito não me vêm alegrar e fortalecer o espírito!

Minhas irmãs escreveram-me, contando a linda festa que lhe ofereceram, por ocasião do seu natalício – Ah! Como senti aí não estar também!...

− Há duas semanas voltamos da montanha; onde passamos um verão muito agradável – Ficamos encantadas com a natureza das Adirondacks: grandes florestas, belíssimos lagos e muitas minas de ferro!

Mamãe aproveitou muito; voltou mais gorda, corada e bonita! Mas... já tomou uma forte constipação com a mudança de estação – sinto muito, pois um pouco que fica abatida, o seu primeiro pensamento é voltar para casa... – é verdade! Acho que a mamãe tem tido uma paciência admirável para estar tanto tempo fora – não acha também o senhor? – Mas também diz que voltando ao Brasil, não fará mais viagens...

− Por causa daquela terrível epidemia de paralisia que lhe escrevi na última carta, a estação de concertos começou mais tarde – os concertos orquestrais ainda não começaram, Godowski ainda não tocou, e assim, tudo ficou atrasado = Envio-lhe a lista dos meus concertos – devo ir à Concord na próxima semana – são 12 horas de N. Y. − Bem longinho, não? Nesse concerto do dia 11 de fevereiro devo tocar o Concerto em ré menor de Mozart, acompanhado de instrumentos de corda e dirigido por Casals – Pediram também para o mesmo dia, um Concerto de Bach (qual o senhor aconselha-me a estudar?). Esta sociedade “Friends of Music” é que Mrs. Lanier é presidente – Não sei ainda qual concerto devo tocar aqui com orquestra no dia 16 de dezembro – Acho o de Chopin muito cru para esse dia! O senhor não imagina como acho falta nos seus preciosos conselhos!... − Tenho vontade de ir tocar o meu programa (que até hoje ainda não decidi bem...) do dia 22 de novembro a um grande artista para criticá-lo bem! Não acha o senhor uma boa ideia? – Fiz isso já uma vez, no meu último recital aqui, no dia 13 de abril – Toquei para S. Stojowski – Lembrei-me logo das suas músicas originais que D. Alice Serva sempre toca!

- O que acha o senhor do programa de Bauer? Sinto tanto aqui não estar no dia 26, para ouvi-lo! Esta pianista Leginska é inglesa, mas para torna-se mais original, aumenta o “ka” – pois seu nome é Ethel Legins – engraçado não? Tem uma técnica fantástica!!! Bonito o seu programa não?

− Muitas saudades à D. Guilhermina, Liddy, beijo os netinhos – Saudações de mamãe e um afetuoso abraço de quem não lhe esquece nunca! Guiomar (Ede M.?)

Cumprimentos Sr. Cantù.

Abraço a Edgard.

O senhor gostou da Isadora Duncan? Há 5 anos a ouvi em Paris e fiquei entusiasmadíssima!!! Por que o senhor não dá um pulo até cá com D. Guilhermina esse inverno? Como eu ficaria radiante!!!!

Nas minhas viagens, irei com minha professora de inglês, Miss Goodkind −  É uma moça muito boa, inteligente e ajuizada. Mamãe não resiste viajar no inverno − Sinto muito isso!"

 

Correspondência 40 [PDF]

"Ritz Montreal Carlton, 7. XII. 1916

Caríssimo Mestre!

Não quero deixar o Canadá, sem dirigir-lhe estas poucas linhas – Montreal é uma bonita cidade e tem um meio bem musical – Imagine o senhor: toquei ontem em N.Y. (em um concerto particular) saí de lá às 7h 1/2 da noite chegando aqui às 8h1/2 hoje. O concerto foi às 11h da manhã (acho muita graça nesses concertos pela manhã...).

Volto esta noite para N.Y. = Tive o prazer de encontrar-me com o Sr. Buonamici (em Farmington, num grande colégio, onde toquei a semana passada e onde ele tem um curso de piano). Conversamos tanto (em italiano....) sobre a família Oswald, do senhor então nem se fala! Sua irmã conhece Liddy e envia-lhe lembranças –

Sta. Cecília, a minha querida padroeira, foi tão boa para mim no dia 22 de novembro!.... – De N.Y. lhe enviarei um programa = Tocarei no dia 11 com orquestra o 4º. Concerto de Beethoven.

Breve lhe escreverei com mais vagar – O frio aqui está espertinho!...

Muitas saudades à D. Guilhermina, Liddy, todos enfim! Cumprimento Senhor Cantù – Beijo os netinhos e ao senhor todo o afeto da sempre grata Guiomar

P.S. Fiquei deslumbrada de ver o Niágara e tive medo de ver aquela força d´água! Que coisa grandiosa!!!..."

 

Correspondência 41 [PDF]

"Brooklyn, 22.12.1916

Caríssimo Sr. Chiaffarelli!

Feliz ano novo!

Mamãe e eu lhe desejamos assim como a todos os que lhe são caros – Não sei dizer-lhe o prazer que causou-me suas duas cartas!

Muitas felicitações pelo casamento do Dr. Olindo – (se não me engano, ele já deve estar formado, não?). É verdade: que mistura interessante de nacionalidades na família Chiaffarelli! – Lembro-me sempre com tantas saudades suas, principalmente quando ouço os bons concertos – Tenho ouvido Paderewski (como ele tocou bem no seu 1º Recital em N.Y.!!!.....)

Nunca mais me esquecerei da sua interpretação na 1ª Balada de Chopin!...

Tocou também a “Appassionata”, a Fantasia Cromática de Bach (que coisa grandiosa, meu Deus!!!...)

O colosso do Hofmann já tocou duas vezes com orquestra: 5º Concerto de Beethoven, e o Concerto em mi menor de Chopin – Ouvi Bauer nas quatro Baladas de Chopin – (um segredo Sr. Chiaffarelli: fiquei desapontada com a sua interpretação! Parecia estar tocando superficialmente – mas consolei-me um pouco na 4ª. Balada – tinha algumas frases lindas!

- Teresa Carreño aqui está; fui apresentada a esta grande artista – que senhora encantadora! Estou ansiosa para ouvi-la desta vez – Breve lhe enviarei alguns programas interessantes. Tive um grande prazer em tocar com a orquestra do Damrosch no último sábado – Que orquestra admirável! – Devo parar, do contrário esta não segue amanhã – Muitas saudades a todos e ao senhor um afetuoso abraço da Guiomar –

A lista dos concertos [foi-se] aumentando: tenho mais 4 concertos sendo 2 em N.Y. e 2 em Philadelphia".

 

Correspondência 42 [PDF]

"5.III. 17 – Cleveland –

Caro Mestre Chiafarelli,

[] edifício em que dei meu recital esta noite. – “Cleveland which is situated on the shores of the Great Lake Erie, is a very busy city – As soon as I can I will write you a long letter about my last recital in N. Y”. – I leave tonight for N. Y. and only left there last night – saudades mil a todos! Guiomar"

Com o trecho em inglês traduzido:

"5.III. 17 – Cleveland –

Caro Mestre Chiafarelli,

[] edifício em que dei meu recital esta noite. – “Cleveland, que se situa às margens do Grande Lago Erie, é uma cidade bastante movimentada – Assim que eu puder, lhe escreverei uma longa carta sobre meu recital em N. Y.” – Eu viajo hoje para N. Y., e só saí de lá noite passada – saudades mil a todos! Guiomar"

 

Correspondência 43 [PDF]

"5.III.17 - Washington

Dear Sr.Chiaffarelli! I am delighted to be in Washington! It is such a pretty city! I played twice here; the 28th February at Mr. Edwin Morgan´s Musicale and yesterday at the Brazilian Embassy = I played already 27 times since November − as soon as I can I will write you a long letter – Saudades a todos e um afetuoso abraço para o senhor!

Guiomar"

Tradução:

"Querido Sr. Chiaffarelli! Eu estou encantada por estar em Washington! É uma cidade tão bonita! Eu toquei duas vezes aqui: no dia 28 de fevereiro no Musicale do Sr. Edwin Morgan, e ontem na Embaixada Brasileira = Eu já toquei 27 vezes desde novembro – assim que eu puder, lhe escreverei uma longa carta – Saudades a todos e um afetuoso abraço para o senhor! Guiomar"

 

Correspondência 44 [PDF]

"Aurora 9.IV.1917

Caro Mestre!

Aqui vim dar um recital num grande colégio de moças – Aurora fica à beira do lindo lago “Cayuga” – Há tanto tempo não recebo notícias suas! – Não sabemos quando poderemos ir – a travessia está perigosa – Que horror esta guerra!!! – Saudades mil a todos. Um afetuoso abraço da Guiomar"

 

Correspondência 45 [PDF]

"Brooklyn. 2.VI. 1917

Muito querido sr. Chiaffarelli!

Que saudades!....

Antes de tudo, agradeço-lhe o gentil cartão e a linda carta de Guarujá, que como sempre causaram-me uma grande alegria!

Que bela surpresa pregou-me o sr. Cantù!

Estou confundida – não sei como agradecer-lhe – acho muito interessante a Rapsódia – vou estudá-la para tocar no próximo inverno aqui – Pelo seu cartão, penso que a Rapsódia já devia ter chegado há muito tempo aqui – mas só agora que a recebi – Estou triste por não ter recebido a sua carta em inglês – Esses vapores...

Quando recebi sua carta em português, fui imediatamente falar com Mr. Urchs, que trata dos negócios da casa Steinway – Expliquei-lhe tudo − Mr. Urchs disse-me que sente não poder dar-lhe a agência no Brasil, por ter a casa Steinway negócios há muitos anos com o Joachim – Estávamos planejando tão alegres, para voltarmos em maio mas aqui as notícias sobre os submarinos eram tão assustadoras, que desistimos –

Que horror esta guerra quase mundial, não?

Aqui felizmente há muita calma, somente estando a vida cada vez mais cara –

O grande Joffre aqui esteve – os americanos ficaram loucos por ele: festas, recepções, banquetes de 1.000, 2.000, talheres... Ofereceram-lhe uma festa na grande Opera, onde venderam os camarotes a 1.000 dollars e cada cadeira a 250 dollars...e centenas de pessoas ficaram sem poder entrar – nessa ocasião ofereceram-lhe um cheque de 100.000 dollars, (duma subscrição que fizeram em 2 dias...) para os órfãos belgas e franceses – enfim o grande Marechal levou daqui uma grande fortuna! Mamãe teve a ocasião de vê-lo quando veio a Brooklyn inaugurar uma estátua de Lafayette – Mamãe muito saudosa mas passa bem com a linda primavera – Miss Goodkind sabe de cor e salteado o horário de todos os trens da América ... e eu, pensando quais programas devo preparar, para satisfazer esta gente boa e de ares solenes.... Tenho novo contrato com Charlton (que tem ares importantes de Ministro das Relações Exteriores...) que arranja tudo muito bem – somente às vezes quase que tenho um ataque de susto, com as contas que ele apresenta.... − para o senhor ter uma ideia, basta lhe dizer que tem meses de eu pagar 480 a 500 dollars, em anúncios, programas, selos... (38, 40 dollars em selos....) e tudo isto fora a sua comissão – É uma maçada a gente precisar ter empresário aqui – mas mesmo assim vale a pena – o dinheiro que ganhei, está bem guardado no Banco − No próximo inverno, os preços serão mais altos: 300 a 500 dollars – o Charlton já está com uma boa lista de concertos, começando em outubro – o empresário disse que eu fiz nesta 1ª estação, o que os outros artistas levaram quatro estações para fazer – como Deus tem sido bom para mim, não? As longas viagens fatigam-me um pouco mas o bom clima e o rigor do inverno fazem bem à saúde –

Fiquei tão satisfeita por saber dos grandes progressos de M. Amelia Martins – que espírito inteligente, não? – Guardo todas as notícias dos meus concertos, para lhe mostrar quando eu aí chegar; alguns críticos conhecem bem música mas outros... escrevem com tanta fantasia!

A casa Steinway sempre muito amável; pôs à minha disposição um grande piano de concerto, que sempre viaja comigo; interessante que tenho tocado sobre o mesmo piano desde o meu 1º recital aqui – tem uma sonoridade belíssima! Quando toco sobre ele, tenho vontade de não o deixar mais... o seu número é: 171966; tenho também um bom piano de meia cauda para estudar – o senhor já deve estar cansado com esta! Por isso adeusinho! Saudações de mamãe – envia-lhe afetuosos abraços, à D. Guilhermina e Liddy quem não os esquece nunca, Guiomar. Pelo próximo correio escreverei ao Sr. Cantù a quem cumprimento. Beijo os netinhos".

 

Correspondência 46 [PDF]

"[Blue Hill, Maine] 7. VIII. 1917

Caríssimo Sr. Chiaffarelli!

Por esta cartinha envio-lhe inúmeras saudades, as minhas afetuosas felicitações pelo seu aniversário.

Mamãe também cumprimenta-o pelo lindo dia 2 de setembro!

Como sinto aí não estar! Mas para o ano, se Deus quiser, aí estaremos! – Apesar das muitas distrações e viagens, as saudades que temos daí e de todos Sr. Chiaffarelli já são sem conta!... O nosso espírito está constantemente em nosso Brasil!

Há três semanas que aqui estamos, respirando o ar puro das lindas colinas azuis do estado do Maine, tão fresco!

Como eu tinha de tomar parte num concerto em Bar Harbor, a duas horas daqui, resolvemos então vir para este lugar, que é muito sossegado. – Como este lado dos Estados Unidos faz lembrar o nosso Brasil! Tenho a impressão de estar em uma fazenda perto da minha terrinha, “São João da Boa Vista”, e não nestas longínquas paragens dos Estados Unidos!

Bar Harbor parece uma ilha encantada, de tão linda que achei!

Lá é o lugar procurado pelos milionários; tem chalés de rara beleza! Mandaram construir uma esplêndida sala de concertos no alto duma colina e rodeada de montanhas – e lá organizam uma série de concertos no verão  – O primeiro concerto foi o do dia 4 – Gostei muito de tocar lá; um público culto e simpático – Imagine o senhor que estavam na sala: Hofmann, Gabrilowitsch, Schelling, Olga Samaroff, que é hoje Mme. Stokowski, etc.

Tive um medão, Sr. Chiaffarelli... (preciso lhe dizer que sempre antes dum concerto, fico numa tristeza mortal, de tanta comoção! E depois do concerto tenho vontade de ressuscitar! Que tolice não? Mas esforço-me para me dominar −)

Mas como ia dizendo... foram muito gentis comigo. Schelling tem uma esplêndida casa em Bar Harbor –

Depois do concerto ele convidou mamãe e eu para darmos um passeio de automóvel – Mrs. Schelling é tão simpática – os outros artistas estão passando o verão em Seal Harbor, a 1 ou 2 horas de Bar Harbor.  – Aqui em Blue Hill tem alguns artistas, mais violinistas, por estar  passando o verão aqui, Mr. Kneizer, do célebre Quarteto Kneizer; assim os alunos aproveitam a tomar lições no verão – Está também o violoncelista do Quarteto Flonzaley, quer dizer, um “quarto” do Quarteto Flonzaley − e outras pessoas como Família Urchs, Kreehbiel, etc.

Do nosso hotel, avistamos um lindo braço de mar que banha Blue Hill, o que dá muito encanto e poesia a este recanto.

Como vão de lírico? Imagino o entusiasmo aí com o Caruso!... Estou certa de que virá gente de toda parte para ouvi-lo – e com razão, não?! Aqui o adoram!

- Como vai Liddy? Sarou bem? Desejo que sim!

D. Guilhermina e o Senhor devem estar radiantes com o Dr. Olindo no Brasil, não? E os netinhos? Já devem estar grandes!

Cumprimento Sr. Cantù.

Peço a Blue Hill que me inspire para saber agradecer-lhe a Rapsódia! – Saudações de mamãe ao Sr. e a todos! Abraço a boa D. Guilhermina e Liddy – Ao senhor, todo o afeto de quem o quer muito!

A sempre grata Guiomar"

 

Correspondência 47 [PDF]

"Blue Hill, 10. IX.1917

Caríssimo Sr. Chiaffarelli,

Esta é a sala onde toquei em B. H. [Bar Harbor] − Bonito estilo, não é? A acústica é admirável! – Continuamos gozando esses bons ares mas voltamos esta semana a N. Y. pois aqui já está frio! – Há mais de 4 meses que não recebo notícias suas! Estou ficando triste com isso – Logo lhe enviarei a lista dos meus concertos, a qual já sobe a 40 concertos.

Saudades mil a todos! Afetuoso abraço da Guiomar.

Cumprimentos de mamãe."

 

Correspondência 48 [PDF]

"Em caminho para Cleveland

Jan. 10. 1918

Ao querido Sr. Chiaffarelli

Embora estando no trem, não quero deixar de lhe escrever hoje para agradecer a sua boa carta de novembro recebida antes de ontem! Agora os vapores são tão raros que as cartas chegam sempre atrasadas = É impossível dizer-lhe o prazer que me causam as suas cartas e leio-as até decorá-las! Devo-lhe dizer que estou envergonhadíssima por não ter escrito até hoje ao Sr. Cantú, agradecendo-lhe a Rapsódia, agora estou aborrecida do grande fiasco que fiz!! Mas confesso-lhe Sr. Chiaffarelli que não sabia como escrever-lhe, estava esperando que a minha musa me inspirasse para dizer ao Sr. Cantú toda a minha gratidão por tão grande honra! E até hoje a minha musa dorme.... – Espero na bondade do Sr. Cantú, ser desculpada- vou escrever-lhe sem falta pelo próximo correio = Estou triste por não ter recebido sua penúltima carta, - vou lhe dar o nosso endereço atual em N.Y.: 250, West End Avenue, N. Y. City. Temos perdido muitas cartas dirigidas ao consulado – Tivemos uma grande alegria com a chegada do Gastão há uma semana, foi um grande tônico para mamãe, que anda muito nostálgica ultimamente – Agora posso viajar com o espírito mais tranquilo, ‘vendo mamãe na companhia de uma pessoa da família. Com esse inverno rigoroso (os jornais dizem que há 37 anos não faz frio como esse inverno) mamãe não pode sair, a sua distração é ler e rezar. Só queria que o senhor visse a sua paciência e filosofia! Por mais que eu a imite, nunca serei como ela! = Dr. J. C. Rodrigues nos pregou uma surpresa com a sua chegada há poucos dias; veio a negócio para o Brasil – conversando sobre música, ele disse-me que ouvira D. B. Azevedo no Rio e que gostou muito! – Conversamos sobre o grande e querido Sr. Chiaffarelli, a quem ele tanto admira.

Quando acabarem os concertos, irei visitar os seus parentes em N.Y. – Com a guerra, a vida começa a dificultar aqui, há muita falta de açúcar e carvão, os trens muito limitados e vivem atrasados – A casa Steinway já não pode mais mandar longe o piano para os concertos, como no inverno passado – o governo não cansa de pedir que façam economia, 2 vezes por semana não se come carne, 2 vezes por semana não se come pão branco e há iluminação no centro da cidade só aos sábados – Que horror se a guerra continua, não? Queria continuar essa mas não há mais papel no trem, que pena! Muitas saudades a todos - um abraço da Guiomar

Se Deus quiser, este ano vamos para o nosso Brasil. Quando o Sr. menos esperar, estou eu telefonando para a Barra Funda.

Desejo-lhe e a “[votre] cher entourage” muita felicidade pelo ano novo – o mesmo faz mamãe – Peço-lhe desculpar o papel. Breve lhe escreverei com vagar. Estou mais acostumada este ano com a correria mas tem dias que estou tão cansada que nem durmo direito. Mal tenho tempo de recordar as músicas para os concertos. É tanta coisa para eu pensar e decidir. O que me toma tempo é a correspondência daqui pois pela coisa mais insignificante os americanos já escrevem uma carta; felizmente Mrs. Goodkind me ajuda bem quando estou em N.Y. O telefone me amola tanto que chego a ficar zangada com o “Bell” por ter descoberto o telefone... Vou lhe enviar revistas para o Sr. saber do movimento musical. Paderewski não toca este ano, está trabalhando pela política, apareceu agora um violinista russo que tem sido a sensação. Tem apenas 18 anos mas toca como um artista de 40, é extraordinário!!! Chama-se Jascha Heifetz.

Abraço D. Guilhermina e Liddy, cumprimento Sr. Cantú, o Dr. Olindo, beijo as crianças e Edgard e ao meu bom e querido mestre todo o meu afeto.

Guiomar"

 

Correspondência 49 [PDF]

[incompleta]

[Provavelmente janeiro de 1918]

"Sr. Chiaffarelli!

Tem recebido as revistas musicais? Tomei a liberdade de tomar subscrição para o senhor por 1 ano, desde janeiro – Musical Courier e M. America e gostaria de saber se são pontuais –

Saudades mil – Guiomar

Mme. Gills é uma artista muito simpática e canta com muita inteligência – Desejo que esta lhe chegue às mãos no dia 02 mas estou alheia às saídas dos vapores, pois está (...)"

 

Correspondência 50 [PDF]

"350, West End Ave.

N. Y., 7.IV.1918

Muito querido. Sr. Chiaffarelli,

Antes de ontem, estando em Dansville, recebi uma carta de Gastão e na qual dizia que tinha chegado para mim uma carta de Sr. Chiaffarelli – pulei tanto, como se fôra ainda criança... de tanta alegria.

Já antegozava o prazer que teria, ao ler a sua carta em N. Y.  – pois Gastão não me mandou a sua carta, com receio que não me chegasse às mãos. = O senhor pode imaginar o meu contentamento ao lê-la ao chegar!! Agradeço de coração o telegrama que o senhor tão bondosamente enviou-me pelo dia 28 de fevereiro.

Peço-lhe desculpar-me por ter passado tanto tempo sem lhe escrever, mas que correria este inverno, Sr. Chiaffarelli!

Desejava lhe escrever de cada lugar onde toquei, mas qual! Nem mesmo postais tinha tempo de enviar! Mas é inútil dizer que penso sempre no muito querido Sr. Chiaffarelli e com que saudades...

Estou deveras zangada com o correio pois não recebi as cartas que o senhor disse-me ter escrito; só tive a ventura de receber uma carta do mês de novembro e a última de 10 de fevereiro – que pena!

Quanta coisa tenho a lhe contar! Mas penso que só quando aí estiver, me lembrarei de tudo! E terei mais tempo também.

Não sei se o senhor recebeu uma carta minha a caminho de Cleveland – nela lhe enviei a lista dos meus concertos – que são em número de 45 – pois tenho tido alguns extras, como esta semana em Chicago, onde toquei no dia 3 – Que bonita cidade! É uma 2ª New York−

E o lago Michigan, que beleza! Pena que vente tanto em Chicago – dizem que é raro um dia sem vento, – quase que fui pelos ares!...

Por este correio envio-lhe os programas – A 1ª vez que toquei esta estação, foi sob a direção do grande Dr. Muck – que chef d´orquestra admirável! Nunca me esquecerei como a Boston Symphony Orchestra fez o acompanhamento do 4º Concerto de Beethoven! Fiquei comovida, Sr. Chiaffarelli, e disse à Miss Goodkind que sentia o senhor não estar presente! Também toquei o mesmo concerto em Philadelphia, sob a direção de Leopold Stokowski, outro grande artista; ele se concentra duma maneira tal na música, que inspira a gente.

Toquei diversas vezes o Concerto em fá menor de Chopin, tão bonito, não? Todas as vezes que toco o 2º.  movimento, lembro-me com saudades como a querida D. Antonietta o tocava tão bem! Vou tocá-lo ainda 2 vezes esta semana em Boston; estava tão contente por ter o prazer de tocar ainda sob  a direção de Dr. Muck, mas que horror! Imagine o senhor que ele foi preso a semana passada, por suspeita de espionagem.

[Obs. A carta termina sem os cumprimentos finais, talvez esteja incompleta]"            

 

Correspondência 51 [PDF]

"350, W. End Ave, N.Y.

Junho 30, 1918

Muito querido Sr. Chiaffarelli,

Somente algumas linhas por não ter absolutamente tempo de lhe escrever longamente. Envio-lhe os catálogos dos arranjos de God. [Godowsky?]; Vers L´Azur já foi encomendado = Estamos deveras muito tristes por não podermos voltar ao nosso Brasil, pois só agora que eu poderia deixar os E.U., por ter estado o mês de maio e este corrigindo os 4 “records” da pianola “Duo-Arte”, da Comp. Aeolian, que toquei, ou que só pude tocar este ano. Que trabalhão que dá pra corrigir, Sr. Chiaffarelli! Passo horas e horas diariamente no “Studio” da Comp. corrigindo-os e cada vez parece estarem piores! – Mamãe já estava com passagem comprada para ir por este vapor, com uma família conhecida mas com os submarinos, tão terríveis agora, desistiram das passagens – Não sei como vai ser! Pois mamãe não poderá mais passar o inverno aqui! Neste mundo a felicidade nunca pode ser completa!

Lembrei-me muito de Liddy no dia dos seus anos – abraço-a afetuosamente, embora tarde − O meu último concerto aqui foi no dia 4 de maio – Todos ficaram contentes – Bauer lá estava. Ontem ouvi as discípulas de I. Duncan – que coisa belíssima!!! Nas valsas de Schubert fiquei comovida; o Sr. sabe por quê? Lembrei-me com tantas saudades daqueles tempos (de minha mocidade...) que Sr. Chiaffarelli as tocava sempre, lembra-se?

Envio saudades a D. Guilhermina e a todos. Ao Sr. todo o afeto e imensas saudades da Guiomar".

 

Correspondência 52 [PDF]

"Elizabethtown

Adirondacks, N. Y.

Julho, 31, 1918

Muito querido Sr. Chiaffarelli,

O senhor com certeza vai rir de ver esta carta começada em abril e só acabada hoje! – Fazendo as malas antes de vir para a montanha, encontrei esta não acabada, por isso venho hoje terminá-la. – Tenho sempre tantos afazeres em N. Y. (lá a vida é agitadíssima e o tempo voa) que não me é possível escrever-lhe frequentemente, como tanto desejo! – Há 3 semanas aqui estou com mamãe; respirando o ar puro das lindas montanhas Adirondacks – Mas gostaríamos muito mais de estar no nosso caro Brasil no meio dos nossos, como tanto desejávamos!! Mas com os tempos tão difíceis, como agora, não se pode fazer mais planos. Seja o que o bom Deus quiser!

Mamãe pretende voltar com uns conhecidos de S. Paulo que aqui estavam há meses (Família Pompeia). Cada vapor que anunciam a saída, encomendam bilhetes mas sempre uns dias antes vem uma ou mais notícias sobre submarinos – desistem imediatamente dos bilhetes – Quem lucra com isso sou eu, que vou aproveitando sempre a incomparável companhia de mamãe – Mas não devo ser mais egoísta – apesar dessa dura separação, sou a primeira a ver que mamãe precisa voltar esse ano – Infelizmente ela não tem mais a energia e ânimo dos outros anos; a sua moléstia de estômago e intestinos tem-lhe abatido muito, - o que me entristece tanto!!

− Elizabethtown (o Sr. com certeza lembra-se que estivemos aqui há 2 anos) é um lugarzinho muito sossegado; perto de nossa pensão existe uma capelinha muito simples de madeira branca, onde vamos todos os dias – Temos tido lindos dias e crepúsculos belíssimos! Nessas horas de tantas recordações, conversamos com profunda saudade dos queridos ausentes! Como tenho saudades suas, Sr. Chiaffarelli!!.. – Gastão está em Syracuse, N. Y., onde está fazendo um curso de química industrial, para aproveitar o tempo; nos seus últimos exercícios de escrita, tirou a maior nota, que é 100 – que bom, não? Em Syracuse está a família Pompeia.

- Como vão seus netinhos? Já devem estar grandes! Liddy sarou bem? − Só hoje, Sr. Chiaffarelli, só hoje é que pude escrever ao sr. Cantù, agradecendo a Rapsódia – Não sabia como escrever uma coisa tão importante assim! Sinto dizer que não recebi ainda sua carta com a explicação sobre a Rapsódia e os Estudos de Concerto – Por este correio envio-lhe “Vers L’Azur”. (Peço-lhe desculpas pela demora mas com a guerra demoram tanto a receber músicas da Europa). Envio-lhe também Rêverie de Pierné e Fledermaus, que acho tão interessante mas nunca acho tempo para estuda-la −

Hoffmann parece um mágico quanto toca o Fledermaus – parece estar brincando sobre o teclado! Gosto de ver as diferentes expressões das fisionomias quando ele toca – o queixo de muita gente quase cai, de tanta admiração! A 1ª vez que o ouvi, estava com Vitalina Brazil – quase caímos das galerias, de tanto entusiasmo! – Todos acham falta dos concertos de Paderewski – que poeta não? Em seus concertos, às vezes antes de começar, muita gente tira o lenço para enxugar as lágrimas.,,,

Bauer então quando toca, é dum espírito irresistível! Parece um cômico = Estou lendo “Chopin the man and his music” by Huneker, - tenho gostado muito! Como Huneker tem espírito! Qual a sua opinião sobre esse livro? Huneker é agora crítico musical dum jornal da Philadelphia – leio às vezes seus artigos – acho-o extraordinário!!

− Mr. Philipp ofereceu-me um Estudo de Concerto, tão amável, não? Ele escreveu dizendo que achava bom eu dar um recital para os músicos franceses; como era muito tarde, não pude dar mas o farei no próximo inverno - enviei aos mesmos 1.000 francos –

Agosto, 1. 1918

Não quero perder o correio, continuarei esta muito breve – Lhe contarei então sobre os meus concertos da última e da próxima estação – Envio-lhe estes dois instantâneos tirados em Blue Hill o verão passado e que há muito tempo estou para lhe enviar – Num estou com mamãe na porta do Hotel – o outro tiraram quando eu lia algumas cartas de “Wagner et Mathilde Wesendonck” (não sei se está certo...) – Peço-lhe desculpar os borrões deste papel – Com a guerra até o papel está diferente! – Sinto aí não estar no dia 2 de setembro para passar com o bondoso Sr. Chiaffarelli e ver a inauguração da casa nova – Como deve ser linda! Deste longínquo recanto envio-lhe um milhão de carinhos pelo seu aniversário – Mamãe lhe cumprimenta e felicita – Um abraço de mamãe e outro meu à D. Guilhermina, desejando-lhe muita saúde – Beijo Liddy e crianças – cumprimento o médico e Sr. Cantù e ao senhor todo o afeto da grata Guiomar. 

Afinal acabei a carta!"

 

Correspondência 53 [PDF]

"Montréal, Hotel Windsor, 29.XI, 1918

Caro mestre! Mamãe partiu e aqui fico com G. [Gastão?] até o fim da estação = gosto de Montréal = Devo tocar o Concerto de Schumann no dia 19 em Cleveland, gosto tanto desse concerto e o Sr.? Toquei o 4º. de Saint-Saëns em Chicago, tive um grande prazer pois a orquestra de lá é excelente! = Está muito frio aqui  = [M.] Urchs não estava em N.Y. quando lá estive mas espero falar-lhe na próxima semana sobre o piano – Saudades mil Guiomar −"

 

Correspondência 54 [PDF]

"Fevereiro, 28, 1919

Hotel Hermitage

Nashville, Tennessee

Meu bom e muito querido Sr. Chiaffarelli,

Beijo-lhe as mãos em agradecimento a sua belíssima carta, a primeira carta que recebi depois do falecimento da minha adorada mãezinha – o senhor pode imaginar o quanto tenho sofrido depois de tão profundo golpe, para mim inesperado – Tive medo de perder a cabeça e custei a acreditar quando deram-me tão horrível notícia – Mas o bom Deus ainda me dá coragem para continuar o meu trabalho – Nem gosto de pensar a falta que a minha mãezinha inesquecível vai nos fazer!!!

Coitada de mamãe! O sacrifício que ela fez por mim foi sem conta! – Foi ela sempre a minha inspiração, bondoso Sr. Chiaffarelli! A sua coragem pela luta da vida foi admirável! Os seus preciosos conselhos guardo para toda a vida e peço a Deus que possa imitá-la – Durante os 3 anos que tive a felicidade de passar em sua companhia, só a deixei quando tinha de fazer minhas viagens e fiz o possível para lhe dar prazer – é o meu consolo – Imagine o senhor que todas as manhãs mamãe me acordava com uma frase poética – Ela gostava muito desse verso “Manhã de flores, manhã bordada”, etc. – Tinha verdadeira paixão pelo amanhecer e queria que eu me levantasse com o sol – Agora fico tão triste quando penso que muitas vezes acordava (eu) de mau humor.

(Março – 1º – no trem a caminho para N. Y.) – pois tenho muito sono pela manhã e mamãe pensava que era preguiça... ficava aborrecida coitadinha mas isso durava somente alguns minutos (o trem está sacodindo muito, peço-lhe não reparar na letra.)

− Nos meus dias de cansaço e desânimo, mamãe me dizia tantas palavras de conforto e ânimo! Agora quando penso que nunca mais ouvirei aquela voz tão doce, sinto tanta aflição meu Deus! − Ontem, dia de meus anos, um dos dias de minha vida que passei mais triste, não quis deixar de lhe escrever, bondoso Sr. Chiaffarelli – o Sr. que tem sido como um pai para mim, como lhe dizer toda a minha gratidão?! Gostaria tanto de escrever também à D. Alda, que foi tão boa para mim! Mas não sei se está na Europa ainda, infelizmente não tenho o seu endereço neste momento =

Quantos pensamentos passaram ontem pela minha cabeça...

Sofro uma nostalgia, como não lhe sei explicar! – Peço-lhe desculpar-me de lhe escrever tanta coisa triste".

 

Correspondência 55 [PDF]

"N. Y. Abril 10, 1919

Caríssimo Sr. Chiaffarelli,                                                                                                   

Aqui continuo muito triste e pensando sempre na minha mãezinha (gostava muito de chamar mamãe de minha mãezinha).

Quando estou ocupada, me distraio pois a vida aqui é de uma intensidade inexplicável!

− Agora só me falta um recital fora de N.Y., no mês de maio – Necessito de um longo e completo descanso esse ano -Como a dor pesa!

− Antes de ir devo acabar um trabalho de pianola –

− Tenho saudades da vida metódica e das 3 ou 4 horas de piano diariamente – Aqui acham que devo voltar para o ano; Se Deus quiser o farei – Não toquei o Concerto de Schumann, como lhe escrevi, pois não ficou pronto... que pena!

Toquei o de Saint-Saëns = Heifetz deu um recital domingo – queria que o Sr. ouvisse esse violinista – que pureza e perfeição de estilo!... O seu sucesso é fenomenal nesse país! Aqui compreendem melhor violino e canto mas piano... acham difícil − quero dizer: a concorrência é maior em concertos de violino  e canto, que de piano = Não tivemos inverno este ano, – nevou umas 3 vezes e muito pouco – Depois da morte de minha mamãe, estou pensando tão diferente! A vida nunca mais será a mesma para mim! = Um saudoso abraço de quem não o esquece. Guiomar –

O Sr. recebeu o piano? Há uns 3 meses que daqui saiu.

Envio-lhe a lista dos concertos – Como lhe escrevi, as datas foram mudadas. Muitas saudades!"

 

Correspondência 56 [PDF]

"Hotel Central, Flamengo

Rio, 6.10.1919

Muito querido Sr. Chiaffarelli,

Estou triste, muito triste, pelo seu sofrimento de ontem e estou ansiosíssima por receber notícias suas, pedindo a Deus que não seja nada grave – esperando seu pronto restabelecimento dentre poucos dias – É sempre assim; os bons são os que mais sofrem – Mesmo de longe acompanho-o pelo pensamento e pelo coração – Não fico sossegada enquanto não receber notícias suas – Abraço a boa D. Guilhermina e envio lembranças a todos – Ao senhor, todo o afeto da Guiomar

P.S. – Recomendações dos meus –"

 

Correspondência 57 [PDF]

"Hotel Central

Rio, 13.X.1919

Mto. querido Sr. Chiaffarelli!

Somente hoje tenho um minutinho para agradecer seu telegrama e a carta de Liddy – o senhor bem sabe o prazer que me causou tudo isso por isso não é preciso dizer mais – Que bom que o queridinho sr. Chiaffarelli está melhor mas gostaria mais se ele estivesse completamente bom! = O senhor não imagina quanta coisa engraçada tem acontecido por aqui; correu boato que eu não gostava mais do Rio, nem dos cariocas, e ... nem do Brasil.... Por essa razão o público recebeu-me friamente no 1º concerto – o programa parece que não agradou muito – No 2º concerto tive a ideia de tocar o Hino e desse modo pude esquentar o público – engraçado não?

Agora fizeram as pazes comigo e vai indo tudo muito bem, gratias!

Dei 3 recitais e amanhã darei um, sendo a metade em benefício de 2 casas de caridade e a outra metade em benefício duma pianeira chamada Guiomar Novaes = O nosso Hotel é simpático e sossegado e faz lembrar os hotéis americanos – Da janela do meu quarto descortina-se uma vista belíssima para a Guanabara e o Pão d’Açúcar – é incomparável o Rio! = Há pouco aqui esteve a simpática família H. Oswald e é inútil dizer que muito conversamos sobre uma pessoa muito querida.. não é preciso dizer!.. Tocarei amanhã Papillons, Gluck, Saint-Saëns, etc. (sempre a mesma coisa)

Estou com muita pressa.

Muitas saudades a todos e ao senhor um grande abraço da Guiomar

­O piano abalou-se muito com a viagem − Todos os dias quase choro por não ter trazido um novo dos States".