naturalidade
Porto Alegre (RS)
fontes
Este verbete contou com a colaboração da filha de Frank Acker, Clara Acker, e a sua esposa, Anna Brito da Rocha Acker

MONTENEGRO, Oswaldo. O melhor de Oswaldo Montenegro: melodias e letras cifradas para guitarra, violão e teclados. São Paulo: Irmãos Vitale, 2002.
Atualizado em 26.07.2021
VERBETE

Frank Justo Acker

N. 26 de Julho de 1921
F. 2 de Outubro de 1999
Por Danilo Avila

Frank Justo Acker (1921-1999) nasceu em Porto Alegre (RS) no dia 26 de julho de 1921. Foi o filho primogênito do casal Maria Georgina Bopp Acker e Augusto Emílio Acker. O pai imigrou da Alsácia (França) para o Brasil, e a mãe fazia parte de uma família alemã que já estava no Brasil havia duas gerações. Maria Georgina pertencia à mesma família de Raul Bopp, um dos ícones do modernismo literário brasileiro.

A princípio, Frank tinha intenções de ingressar na área da medicina, entretanto, por pertencer a uma família de classe média, seus pais não tinham como custear o longo estudo, então decidiu se tornar comerciante e, desde muito cedo, estabeleceu vínculos com a política. Em fins dos anos 1940, por volta dos 27 anos, foi a um encontro da União Nacional dos Estudantes (UNE) no Rio de Janeiro, e lá conheceu sua futura esposa, a mineira Anna Britto da Rocha. Durante certo tempo, corresponderam-se por cartas, até decidirem mudar-se para o Rio de Janeiro definitivamente a fim de levarem uma vida a dois.

Ao longo dos anos 1950, trabalhou por muito tempo como representante do laboratório Daudt Oliveira (POA/RS) na então capital federal, vendendo produtos farmacêuticos. Devido à profissão de comerciante, começou a cursar Ciências Contábeis e Atuariais ainda em Porto Alegre, vindo a terminar o curso depois de transferido para a UFRJ.

Amante da música, com a sua chegada ao Rio de Janeiro, começou a fazer diversos cursos de gravação mecânica dos sons, desde os mais introdutórios até os mais específicos, sendo contemplado com o título “Microphone Specialist” da Acustick Kino Gerate de Viena, Áustria; fez o curso de “Audio Consultant Coordination” (EUA) ministrado no Rio de janeiro e se tornou membro da Audio Engineering Society, uma sociedade internacional destinada a congregar profissionais da área.

Frank era um apanhador de sons em um momento em que poucos se interessavam pela profissão. Nele morava uma necessidade de sempre estar atualizado: fazer os cursos mais avançados, comprar os melhores aparelhos, procurar os músicos que mais lhe instigavam. O mercado nacional de tecnologias para o ramo era escasso e muito caro.

Ele tinha uma ética ao mesmo tempo dura e solidária: cobrava apenas de quem podia pagar e incentivava os músicos iniciantes por meio de gravações gratuitas ou com valor simbólico. Um devoto da música brasileira, Frank tinha sérias restrições para gravar um concerto em que não houvesse uma obra de compositor nacional, fato que demonstra um grande engajamento com a música clássica e popular brasileira.

Considerado por muitos à época como o melhor técnico de som do Brasil, Frank era frequentemente procurado por compositores, intérpretes e grandes instituições culturais, mas, em certos momentos, também chegou a procurá-los. Exemplo disso é o, hoje raro, disco Trilhas (1977) de Oswaldo Montenegro, que teve início, segundo a biografia de Montenegro, quando Frank veio procurá-lo [1]. O disco foi gravado na Salle Louis Jouvet da Aliança Francesa, na Tijuca, Rio de Janeiro, em setembro de 1977, durante o show apresentado por Montenegro e sua banda. Com uma prensagem independente de apenas 300 cópias, o LP hoje chega a custar 2.000,00 dólares.

A história da gravação é contada por Montenegro e exemplifica o método de Frank, pois o cantor, tendo aceito o convite do técnico para gravar pouco tempo antes do show, ficou desconcertado. Sem saber muito como proceder frente a uma gravação fora do estúdio, os músicos agiram como se não estivessem sendo gravados e executaram o show livremente, sem interrupções. Na altura dos seus 20 anos, pego de surpresa e com prensagem independente, o cantor atualmente não reconhece o disco como um lançamento comercial, mas uma experimentação artística. Os discos foram vendidos nos shows que realizavam àquela época.

Homem de método, Frank fez sucesso rápido no meio musical carioca, e foi ele quem sonorizou muitos dos espetáculos internacionais de grandes personagens da música instrumental no Teatro Municipal do Rio de Janeiro (TMRJ), como Ravi Shankar (1972, 1975, 1978), Duke Ellington (1971), Erroll Garner (1970), Bill Evans (1973), Swingle Singers (1971), Ella Fitzgerald (1971), Sarah Vaughan (1970, 1972, 1975, 1977), Jacques Loussier Trio (Play Bach) (1970 e 1975), entre outros.

Os primeiros trabalhos de Frank na gravação de espetáculos com certa relevância e divulgação começaram a partir da segunda metade dos anos 1960, mais especificamente com a criação da Sala Cecília Meireles (1965), seu principal espaço de gravação no Rio de Janeiro. De 1966 a 1970, Frank gravou todas as apresentações musicais da Sala Cecília Meireles para compor um arquivo para a instituição. Seus primeiros trabalhos de sonorização de artistas internacionais são posteriores e se iniciam no TMRJ em 1970.

Neste mesmo ano, a coluna de Renzo Massarani no Jornal do Brasil (13/02/1970) celebra o lançamento dos dois LPs do V Festival de Curitiba (1969) com a gravação de Frank. Neste álbum foi gravado, em estreia mundial, o Quarteto para sopros de Ernest Mahle, composto especialmente para o Festival e executado por Noel Devos (fagote), Jean Noel Saaghard (flauta), Ludmila Jesová (oboé) e Dieter Klacker (clarineta). Junto ao quarteto, estão incluídas peças para orquestra de câmara de Haydn, Mozart, Beethoven e Dvorak regidas pelo maestro Roberto Schnorrenberg. A produção do LP contou com o apoio do Conselho Federal de Cultura.

Frank não apenas sonorizou atrações internacionais no TMRJ, mas também propôs gravações ao vivo no espaço. Um exemplo é o disco Villa-Lobos na Música Sinfônica (1974), o qual possui uma peça pouco executada do repertório do “índio de casaca”: o bailado Imperador Jones (1956). O disco foi gravado através de uma parceria entre o Plano de Ações Culturais (o PAC, criado em 1974, órgão que viria a preparar terreno para a criação da FUNARTE), o Museu Villa-Lobos e o Ministério da Educação e Cultura. A gravadora foi a Tapecar Gravações S.A, fundada pelo espanhol Manolo Camero no início dos anos 1970 e que encerrou suas atividades em 1980.

Como tinha apreço por registrar execuções ao vivo, não constando nenhuma gravação de estúdio em seu acervo, Frank passou a ser procurado como um memorialista dos sons, principalmente pelos festivais de música no Rio de Janeiro. Durante os anos 1970 e 1980, era o principal contratado para a função pela FUNARTE, pelo Departamento de Assuntos Culturais (DAC) do MEC, pelo Museu Villa-Lobos e pela Sala Cecília Meireles. Nesta época, gravou as cinco primeiras Bienais de Música Contemporânea Brasileira (1975, 1977, 1979, 1981, 1983), os dois primeiros Ciclos Bach-Handel (1976, 1977), a série Música de Câmara no Brasil e Panorama do Piano Brasileiro, todos estes eventos realizados na Sala Cecília Meireles.

O Festival Villa-Lobos (FVL) é outro evento que contou com seus trabalhos, uma vez que ele trabalhou para o Museu Villa-Lobos desde 1966. Alguns dos discos comerciais resultantes desta parceria foram: Violoncelo - FVL (1976), com obras Villa-Lobos, Marlos Nobre, Edino Krieger e Burle Marx; Edino Krieger e Lorenzo Fernandez - FVL (1977), com quartetos compostos pelos dois compositores homenageados; Concurso Internacional de Regência - FVL (1975) - cujo vencedor foi o maestro Roberto Duarte; e III Concurso Internacional de Violão – FVL (1984), com obras para violão de Villa-Lobos. Os dois primeiros discos foram gravados pela Tapecar, e o último foi produzido de forma independente.

Realizações como o Projeto Pixinguinha apenas sobreviveram ao tempo devido ao seu trabalho de técnico de som memorialista. Gravou a maioria das edições do projeto e, posteriormente, nos anos 1990, entregou à FUNARTE, em forma de doação, todas as 120 fitas-rolo, registrando, de 1977 à 1989, 4 mil canções divididas em 240 shows. As da instituição já haviam sido perdidas pela falta de zelo e alternância de dirigentes na burocracia, ocorrências da vida cultural carioca que ele conhecia bem e por isso as guardou. Foi o próprio Frank quem forneceu a orientação e a possibilidade para que  Herminio Bello de Carvalho determinasse o registro dos shows.

Outro projeto virtuoso da FUNARTE que Frank acompanhou como gravador e técnico de som foi o PRO-MEMUS, dirigido pelo compositor Edino Krieger. De 1981 a 1988, fez a gravação dos discos O piano brasileiro de Carlos Gomes (1981), Padre José Mauricio: Matinas de Finados (1980), Maria Josephina e Francisco Mignone – dois pianos (1984), Homenagem a Esther Scliar (1984), Camargo Guarnieri – Sonata para violoncelo e piano (1988), Leopoldo Miguez – Sonata op. 14 para violino e piano (1988), entre outros.

Das diversas gravações que realizou de grandes intérpretes do Rio de Janeiro, algumas tornaram-se discos comerciais, como o Sarau Brasileiro (1979) de Odette Ernest Dias e Elza Gushikem, Recital (1976) de Noel Devos e Solo Brasileiro (1995) de Maria Teresa Madeira - porém inúmeras outras ficaram arquivadas em seu acervo pessoal.

Além de gravar intérpretes solo, gravou muitos conjuntos de câmara, como o Sexteto do Rio, o Quinteto Villa-Lobos, o Conjunto Ars Barroca. e a Camerata Carioca, geralmente em apresentações na Sala Cecilia Meireles ou na Sala FUNARTE.

Dentre seus trabalhos ligados à música popular, em 1979 teve a possibilidade de gravar um show inédito de Dorival Caymmi em Salvador, Caymmi em concerto, organizado por Hermínio Bello de Carvalho, do qual constavam arranjos do compositor baiano para orquestra e solista. Além disso, gravou grandes nomes como Tom Jobim, Cartola, Grande Otelo, Jorge Mautner, Luiz Melodia e Roberto Carlos – este último na Sala Cecilia Meireles, quando estava em turnê com a narração de “Pedro e o Lobo” de Prokofieff.

Não era músico de formação - esporadicamente fazia uso da gaita para se expressar. Porém, devido a seu contato com o pai, que tocava piano, tinha ouvido absoluto e isso reverberaria em suas gravações, tidas como de alta qualidade por especialistas, principalmente na captação do piano, uma arte dominada por poucos. Outra qualidade relatada por pessoas que trabalharam com ele é que Frank tinha um apreço pela vivacidade do registro ao vivo, e, para captar o frenesi da plateia, nos aplausos ou vaias, posicionava um microfone no centro da plateia a fim de registrar suas manifestações.

Era próximo de compositores que transitavam no Rio de Janeiro, como Francisco Mignone, Radamés Gnattalli, Henrique de Curitiba e Guerra-Peixe, que, em sua peça “Prelúdios Tropicais no. 7 - Toccata” (1982), publicada pela Irmãos Vitale, fez uma honrosa dedicatória ao técnico e à pianista Cibeli Cardoso Reynaud.

Na década de 1980, gravou os cinco Concertos para piano e orquestra de Villa-Lobos com a Orquestra Sinfônica Municipal de Campinas (OSMC) sob regência do maestro mineiro Benito Juarez e o carioca Fernando Lopes como solista. O disco, de produção independente, foi lançado em 1984.

Sua atuação no registro folclórico também é notável. Em 1989, foi enviado para o mocambo Pacoval no município de Alenquer (PA) pelo poeta João de Jesus Paes Loureiro para realizar o registro sonoro do Mambiré, dança tradicional amazônica. Gravou em registro digital 14 melodias: “Forma, forma”; “Deus te salve”; “Atirei a peça de légua”; “Ambirá”; “Viva nosso general”; “Horta linda”; “Lundum”; “São Benedito”; “Vamos simbora”; “Cangulo”; “Mutuca Angolê”; “Deus te salve”; “Rainha do congo” e “Marujo”.

Um de seus últimos trabalhos, o CD Ópera Brasileira em Língua Portuguesa, organizado por Vanda Lima Bellard Freire, contou com a sua participação como engenheiro de gravação. Realizado pelo projeto Tons e Sons em parceria com a UFRJ, foi gravado na Escola de Música em 1999 e contém excertos de óperas e mágicas de Carlos Gomes, Barroso Neto, Manoel Joaquim de Macedo, Carlos Cavallier Darbilly, Elias Álvares Lobo, Manoel Belarmino da Costa, Henrique Alves de Mesquita, Artur Napoleão, Leopoldo Miguez e João Octaviano Gonçalves. Publicado no ano 2000, Frank não pôde ver a sua materialização, tendo falecido um ano antes.

No fim da vida, Frank teve algumas poucas dificuldades financeiras devido a uma curta aposentadoria, sem que isso afetasse seu bem-estar de maneira substancial. Apesar deste revés, teve uma grande realização profissional aos 78 anos (1999) ao pegar uma Kombi no bairro de Santa Teresa no Rio de Janeiro em direção à cidade de Araçuaí em Minas Gerais, na região do Vale do Jequitinhonha. Lá, encontrou o Coral Meninos de Araçuaí, para fazer sua última gravação. Voltou encantado pela disciplina, educação e pelas vozes dos meninos que participavam deste projeto social de muito sucesso.

Frank faleceu no ano de 1999, deixando um legado gigantesco como gravador e engenheiro de som. Seu acervo pessoal de gravações é imenso e são incontáveis os músicos que um dia trabalharam com ele. Seus lançamentos independentes seguiam a numeração FJA001, FJA002, etc., que ultrapassou o número FJA100, segundo anotações no acervo pessoal de Frank. Hoje alguns estúdios levam o seu nome, como é o caso do estúdio da empresa VISOM.