Villa-Lobos Complete Works Box Set ou Onde estão as integrais brasileiras?

CDs 1-8 Solo piano

CD 9 Solo guitar

CDs 10-14 Songs

CDs 15-16 Woodwind

CDs 17-23 String duos, trios and quartets

CDs 24-25 Violin and piano

CDs 26-28 Cello e piano

CDs 29-30 Piano trios

CDs 31-32 Miscellaneous chamber works

CDs 33-38 Choral works (acrescentar mais 6)

CDs 39-41 Choros

CDs 42-44 Bachianas brasileiras

CD 45 Violin and orchestra

CD 46 Cello and orchestra

CDs 47-49 Piano and orchestra

CD 50 Other concert pieces

CD 51 String orchestra and symphonic band

CDs 52-58 Symphonies and sinfoniettas

CDs 59-64 Symphonic works

CD 65 Chamber orchestra

CDs 66-67 Voice and orchestra

CDs 68-72 Operas

CD 73 Transcriptions

CD 74 Rare recordings (Bonus)

OBRA COMPLETA DE VILLA-LOBOS FINALMENTE É GRAVADA”. É o que gostaríamos de ver estampado na primeira página dos cadernos de cultura espalhados pelo Brasil. Para qualquer ouvinte ou colecionador de música clássica, a caixa acima seria um verdadeiro tesouro. Porém, caro leitor, esta caixa de 74 CDs infelizmente não existe, e provavelmente não existirá tão cedo.

Uma busca no site da Amazon nos mostra algumas das integrais que já existem: Bach (172 CDs), Mozart (200 CDs), Schubert (69 CDs), Beethoven (86 CDs), Chopin (17 CDs), Brahms (46 CDs), Debussy (18 CDs), Ravel (14 CDs), Rachmaninoff (32 CDs), Bartók (32 CDs), Boulez (13 CDs). Repare que estas coleções não lidam apenas com a integral para piano, ou as sinfonias completas de cada compositor – é a gravação de tudo que compuseram, para todas as formações instrumentais possíveis. São empreendimentos colossais, que podem levar vários anos, e centenas de músicos.

Pode parecer inacreditável, mas, até o início deste ano de 2016, a obra de nenhum compositor brasileiro havia sido gravada na íntegra. O primeiro a ter esta honra foi Ernesto Nazareth (1863-1934), com o lançamento da caixa de 12 CDs gravada pela pianista carioca Maria Teresa Madeira (leia mais a respeito nesta entrevista concedida ao IPB).

Nazareth não foi escolhido por acaso. Sua obra já estava catalogada há mais de 50 anos, quando, em 1963, a musicóloga Mercedes Reis Pequeno realizou uma extraordinária exposição na Biblioteca Nacional por ocasião do centenário de Nazareth. Além disso, todas as suas partituras estavam reunidas na mesma instituição – tanto em manuscritos como em primeiras edições. Depois, três edições até então inéditas de sua obra completa foram publicadas (site www.ernestonazareth.com.br, em 2009; "Todo Nazareth", em 2011; e o site Ernesto Nazareth 150 Anos, em 2012). Além disso, uma nova edição, com revisão crítica, teve seu 1º volume lançado em 2014. Todo este material permitiu que uma pianista amplamente imersa na tradição nazarethiana gravasse sua obra completa ao longo de 14 meses, depois de ser contemplada com o patrocínio da Funarte.

Porém, será que o mesmo pode acontecer com Villa-Lobos? Ou, quem sabe, Camargo Guarnieri, Claudio Santoro, Francisco Mignone, Radamés Gnattali, Lorenzo Fernandez, Alexandre Levy, Luciano Gallet e Carlos Gomes?

Infelizmente, mesmo que alguém possua a verba e o fôlego necessários para coordenar um projeto deste vulto para quaisquer destes compositores, esta pessoa esbarrará em alguns obstáculos importantes.

Em primeiro lugar, é necessário que o compositor tenha um catálogo detalhado de sua obra, listando-se o título exato de cada peça, gênero, formação instrumental, ano de composição, ano de publicação, edições existentes, dedicatórias, co-autores, etc.

Muitos compositores ainda sequer possuem um catálogo detalhado de suas obras, mas este primeiro passo tem sido gradativamente resolvido – além dos catálogos elaborados por Mercedes Reis Pequeno, podemos citar o excelente catálogo disponibilizado pelo Museu Villa-Lobos, ou os catálogos elaborados por Flávio Silva (Guarnieri, Mignone, Guerra-Peixe), e por Valéria Peixoto para a Academia Brasileira de Música (Krieger, Aguiar, Lacerda, Valle, Tacuchian).

Porém, é no segundo passo que surge um grande problema: o acesso às partituras. Idealmente, as partituras completas de um compositor deveriam estar amplamente disponíveis em edições críticas urtext. “Urtext” significa “texto verdadeiro” em alemão, e indica que a edição não possui intervenções editorais que desvirtuem o texto original (por exemplo, incluindo-se indicações de pedal ou ligaduras que não sejam as do próprio compositor). Uma edição urtext com revisão crítica procura corrigir eventuais erros que constem até mesmo no texto original, com base em uma ampla pesquisa musicológica, sempre explicitando e justificando quais foram as alterações feitas. Analogamente, seria como corrigir eventuais erros de ortografia encontrados em um manuscrito de Machado de Assis (desde que não sejam neologismos). O maestro Roberto Duarte, que está fazendo a revisão musicológica de vários manuscritos orquestrais de Villa-Lobos, explica isto em detalhe no excelente livro Villa-Lobos errou? (2009).

Mas, quase sempre, apenas uma pequena parte da obra de nossos compositores está disponível aos músicos (e não necessariamente em edições urtext).

Este é um dos motivos pelos quais vemos algumas obras serem tocadas com muita frequência, e outras quase nunca executadas. Os músicos não encontram as partituras.

Ao se buscar pelas obras faltantes, em geral duas possibilidades se apresentam, nenhuma delas muito animadora: 1) As obras podem estar fora de catálogo, isto é, foram editadas em algum momento no passado. Neste caso, pode-se iniciar uma busca em bibliotecas e coleções particulares, e, com sorte, conseguir algumas cópias xerox apagadas ou incompletas; 2) As obras podem existir apenas em manuscritos, muitas vezes de paradeiro desconhecido ou de difícil acesso - bibliotecas públicas e colecionadores particulares com frequência se recursam a fornecer cópia do material. Para piorar, muitas destas músicas só existem em um exemplar, não digitalizado. Neste caso, de maneira muito similar à extinção de uma espécie biológica, se a última cópia, ou a única cópia, de uma partitura deixar de existir (e esta não existir em gravações ou na memória de alguém), a música também deixará de existir (a menos que entremos no campo da metafísica).

Encontrar todas as partituras possíveis de um compositor acaba então se tornando uma verdadeira aventura, envolvendo um imenso gasto de energia e dinheiro com viagens, ligações, e-mails, visitas a inúmeras instituições e coleções particulares. Vivenciei isto com os seis compositores cujas partituras procurei por um longo período de tempo: Ernesto Nazareth, Chiquinha Gonzaga, Eduardo Souto, Marcello Tupynambá, Zequinha de Abreu e Henrique Alves de Mesquita. Instituições como Instituto Moreira Salles, Biblioteca Nacional, e Instituto de Estudos Brasileiros - USP foram fundamentais nestas buscas.

Esta “caça ao tesouro” pode até ser divertida em alguns casos, exigindo muita criatividade e determinação - porém estamos falando de obras que já deveriam estar acessíveis a todos há muito tempo - patrimônios culturais da humanidade.

Compositores como Villa-Lobos, Camargo Guarnieri, Guerra-Peixe, Claudio Santoro, Pixinguinha, Francisco Mignone e Almeida Prado já têm suas obras preservadas por instituições públicas e privadas, porém apenas no momento em que estas partituras se tornarem públicas em edições revisadas urtext (comerciais ou gratuitas online) que os músicos poderão considerar gravar as obras completas destes compositores.

Até o momento (novembro de 2016), Ernesto Nazareth é o único compositor brasileiro cuja obra completa foi extensamente revisada, e disponibilizada na íntegra em edições comerciais impressas, e também gratuitas online. Com isto, a imagem abaixo deixou de ser uma mera possibilidade, e se tornou real, diferentemente da imagem no começo deste post, que ainda permanece no mundo platônico das ideias.

A gravação de uma integral é fundamental, pois 1) permite que conheçamos o panorama completo de um compositor (e não isoladamente as obras para piano, quartetos de cordas, sinfonias, canções, ou a obra para violão); 2) permite que os músicos conheçam novas peças, e se interessem em tocá-las; 3) preserva um legado imaterial para gerações futuras.

Até quando teremos que esperar para ouvir o Guia prático completo de Villa-Lobos na versão cantada, as 14 sinfonias de Claudio Santoro, o Concerto para piano de Lorenzo Fernandez, ou as 12 Sonatas de Almeida Prado? (todas estas ainda inéditas em gravação, na sua forma integral)

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Alexandre Dias

Agradeço a Wellington Bujokas, colecionador especializado em gravações de música brasileira do século XX, que fez a estimativa inicial do número de CDs da obra de Villa-Lobos; e a Wandrei Braga, coordenador do site ChiquinhaGonzaga.com, que topou forjar uma caixa falsa (e tantalizante!) com a obra completa de Villa-Lobos, depois de ter feito o design real da caixa de Ernesto Nazareth.