Entrevista com Rodrigo Alzuguir

Em entrevista ao IPB, o multifacetado músico, produtor e escritor Rodrigo Alzuguir, ganhador do Prêmio Jabuti, fala sobre sua carreira, suas pesquisas, peças de teatro, livros, e sobre o álbum "Rio de Janeiro: Álbum pitoresco - musical", que resgatou uma parte importante da história pianística do Império. Confiram!


Rodrigo Alzuguir, foto de Lívia Nunes

Alexandre Dias: Rodrigo, você é produtor, pesquisador, escritor, pianista, cantor, compositor e ator. Vamos falar de seu começo. Como a música entrou na sua vida, e em que ordem estas atividades apareceram em sua vida?

Rodrigo Alzuguir: Alexandre, antes de tudo quero agradecer a oportunidade de ser entrevistado por você. Sou seu fã e considero o seu trabalho à frente do IPB inestimável para a música brasileira. É uma honra pra mim – ainda mais sabendo que a entrevistada anterior foi Maria Teresa Madeira, que eu adoro.

De todas as atividades que você citou, a produção é a que veio por último. Foi a forma que encontrei de realizar minhas ideias, meus sonhos, meus projetos, nas diversas vertentes artísticas que me interessam e, de certa forma, me integram.

Primeiro, veio a música. Tenho lembranças muito precoces relacionadas a ela, apesar de não ter músicos na família. Meu pai era um bom ouvinte e tinha interesses bem específicos: curtia basicamente jazz (Louis Armstrong, Oscar Peterson), Moreira da Silva, João Nogueira e Elis Regina. Minha mãe era mais focada na MPB: João Gilberto, Chico Buarque, Simone. Os dois tinham seus LPs, não muitos, que ouviam esporadicamente.

A música me chegava principalmente pelo rádio da Variant vermelha e, depois, da Brasília azul – os carros lendários da família. Rádio Mundial AM, se não me engano. As primeiras músicas que ouvi vieram no trajeto entre zona sul, onde eu morava, e zona oeste, onde meu avô paterno tinha um sítio. Uma hora de viagem. “Os meninos da Mangueira” era novidade, tocava direto. (IMMuB informa: 1975. Eu tinha três anos.) “O patrão mandou”, que tinha um refrão engraçado. “Morena de Angola” (já mais velho). “Alô, alô, Marciano”. “Daquilo que eu sei”. “Canoa, canoa”. “A lua”, gravação do MPB-4. “Saco de feijão”. “Todo menino é um rei”. Os jingles do futebol, que meu pai ouvia às alturas: Waldir Amaral! Jorge Cury! João Saldanha! Mário Vianna! O relógio maaaaaaarca!

Televisão também: lembro muito da abertura da novela Escrava Isaura, com o vozeirão do Dorival Caymmi cantando “Retirantes” sobre imagens do Debret. Isso ainda morando em Ipanema, ou seja, com três ou quatro anos de idade mesmo (mudei de lá para a Gávea aos quatro).

Estudei na Escola Parque até uns sete anos, fui alfabetizado lá. Tinha aula de música, lembro vagamente. Participei de um festival cantando uma composição minha. Algo como “na minha fazenda tem laranja/ tem laranjeira...”. Lembro de alguém comentando na plateia, enquanto eu cantava: “É óbvio, né? Se tem laranja, tem laranjeira.” E eu ainda demoraria uns bons anos para conhecer o “coqueiro que dá coco” do Ary Barroso...

Na Escola Parque a pegada era bem artística. A garotada era estimulada a escrever, desenhar, pintar. Escola experimental, muito filho de artista. Ali comecei a escrever umas historinhas. Desenhava bem. Continuei escrevendo e desenhando no colégio seguinte, o Teresiano, pra onde fui com oito anos. Tenho alguns desses cadernos até hoje. Uma das professoras, Aurora, botava discos de música brasileira pra gente ouvir e debater as letras. A trilha da primeira versão do Sítio do Picapau Amarelo era um desses discos. Sei até hoje aquelas músicas todas de cor. Gostava especialmente de “Visconde”, do João Bosco e do Aldir Blanc, e de “Saci”, do Guto Graça Mello – essa última, instrumental, nem gosto muito de ouvir, porque mexe, parece um túnel do tempo direto pra infância.

No Teresiano, comecei a fazer aula de teatro com a professora Noêmia. Tinha um prazer danado. Só redescobriria o teatro anos mais tarde, já formado em Engenharia.

O pai de um amigo de prédio, vizinho de porta (isso já morando na Gávea), Ronaldo Youle, era pianista e primo da cantora Maysa. Tocava (ainda toca) super bem, trabalhou muitos anos na noite. Aquele repertório de jazz, bossa nova, boleros. Musicais americanos. Foi meu primeiro contado maior com o piano. Achei incrível, todo mundo em volta do Ronaldo cantando enquanto ele tocava, uma coisa que nunca tive em casa. Pedi aos meus pais para aprender. Comecei com a professora mineira Lucy Tepedino, num piano comprado pelos meus pais justamente desse nosso vizinho. Dona Lucy também morava na Gávea, eu ia a pé pras aulas. Tinha 14 anos nessa época. Repertório clássico entremeado com Ernesto Nazareth. Toquei Rachmaninov (Prelúdio em Dó Sustenido Menor), Scriabin (Etude Op.2 No.1), alguma coisa de Bach, Chopin, Debussy. Nazareth, toquei bastante, “Batuque”, “Fon Fon”, “Jacaré”, “Odeon”, “Brejeiro”, “Carioca”, “Floraux”, “Sarambeque”, “Confidências”...

Quando comecei a me acompanhar cantando e a compor alguma coisa, dona Lucy me apresentou ao Antônio Adolfo, com quem ela mesma tinha aulas de harmonia e estilos populares. Me tornei aluno do Antônio, e iniciei um novo ciclo. Caí dentro do piano e da composição popular, fiz amigos (como Philippe Baden Powell, hoje meu parceiro), participei de vários daqueles shows de fim de ano promovidos pelo Antônio. Outros parceiros vieram, antes e depois: Ronaldo Cotrim (o primeiro), Alfredo Del-Penho, Ricardo Dias, Marcelo Maldonado. Faço música e letra sozinho, mas nas parcerias geralmente sou o letrista. Algumas dessas composições já foram gravadas, pelos próprios parceiros e pelas cantoras Ligiana Costa e Elza Soares. E tive outros professores esporádicos de piano, como Délia Fischer e Leandro Braga.


Rodrigo Alzuguir ao piano, foto de Kiko Vieira

Sempre tive temperamento pra pesquisa. Sou curioso, gosto de me aprofundar. Quando me interesso por algum assunto ou artista – seja ele um compositor, cantor, diretor de cinema – vou atrás de tudo o que existe sobre, quero ouvir, assistir, conhecer.

Já formado em Engenharia, levando a música em paralelo, outra porta se (re)abriu: o teatro. Um amigo de infância, Rodrigo Dannemann, fazia parte do grupo de alunos do ator e diretor Ricardo Kosovski. Fui lá assistir a uma aula, saí quatro anos depois, com algumas peças semi-profissionais no currículo.

Aos poucos fui enveredando para os musicais, tirando partido do meu lance com a música. “O bilontra”, do Artur Azevedo. “Antígona” em cordel, um projeto muito louco dirigido pelo Bemvindo Sequeira. Fiz o Creonte. “Hoje é dia de rock”, no Tablado, direção do saudoso Bernardo Jablonski. Aí emplaquei peças minhas (em parceria com as produtoras Zucca, Sarau e Marraio, respectivamente): “O samba carioca de Wilson Baptista”, “Amigo Cyro, muito te admiro”, “A cuíca do Laurindo”, onde pude conjugar música popular brasileira, atuação, dramaturgia... 

Então essa coisa de produtor cultural me ajudou a realizar e a vivenciar isso tudo profissionalmente. Num projeto escrevo e atuo, no outro só escrevo. No seguinte, faço a pesquisa. E sigo na luta.  

AD: Em 2014, você lançou o “Álbum pitoresco musical” (Edições de Janeiro), que relançou o álbum de partituras homônimo, de 1856. Como você ficou sabendo pela primeira vez desta publicação do século XIX, e o que levou a pesquisá-la?


Capa de "Rio de Janeiro - Álbum Pitoresco-Musical - hoje", arte de Victor Burton sobre desenho de Guilherme Secchin


Capa de "Rio de Janeiro - Álbum Pitoresco-Musical - ontem", arte de Victor Burton sobre desenho de Guilherme Secchin

RA: Quem me apresentou esse álbum de partituras (um dos primeiros publicados no país) foi um amigo que fiz durante a pesquisa para a biografia do Wilson Baptista – o compositor e produtor musical Edgard Poças. Ele acalentava, havia tempo, a ideia de uma reedição dessa publicação, acrescida de CD com as gravações de todas aquelas músicas. Eu e Carol – minha mulher, também produtora, da Marraio Cultural, responsável pela realização do projeto – decidimos abraçar a ideia pela amizade com o Edgard, pelo desafio que o projeto impunha e pela beleza do conjunto: litogravuras, repertório, importância histórica. O “comichão” da pesquisa também me pegou de jeito. Quem eram aqueles compositores, de quem só se podia encontrar três ou quatro linhas nos livros de referência? E Martinet, o autor das litogravuras que acompanhavam as partituras, qual a sua história? Qual a história do editor do álbum, Pierre Laforge, essa cara visionário e pioneiro? Essas perguntas me instigavam. E fiquei muito feliz com o resultado final, acho que honrei o nome desses heróis hoje esquecidos, que tanto se doaram em sua paixão pelo Rio e pela música.

AD: Além de resgatar as partituras do álbum original, você criou um novo álbum pitoresco, na mesma edição, encomendando músicas a 7 pianistas atuais, cada uma dedicada a um bairro do Rio. Como foi este trabalho com os pianistas?

RA: Foi muito prazeroso. Convidamos sete pianistas cariocas de idades, perfis e ondas diferentes, todos com contribuições relevantes na história do piano brasileiro. Cristovão Bastos, Gilson Peranzzetta, Francis Hime, Maíra Freitas, Maria Teresa Madeira, Délia Fischer e Itamar Assiere. Sorteamos os temas do Álbum original a serem gravados por cada um. Além disso, cada um escolheu um bairro carioca que gostaria de homenagear com uma música para piano, a ser composta e gravada especialmente para o projeto – com partitura também integrada à publicação. Cristovão e Gilson evocaram seus bairros da infância, Marechal Hermes e Brás de Pina. Francis foi de Gávea, e assim por diante. Quanto aos estilos, demos liberdade total, num ecletismo afim com o do álbum original, que continha valsa, quadrilha, schottisch, polca e até redowa, um ritmo tcheco da moda. Então a nova fornada de músicas teve choro, modinha, bossa e até um funk carioca para piano, ideia inventiva da Délia. As novas partituras contaram com desenhos originais do artista plástico Guilherme Secchin, boníssima gente, recém-falecido. Traçamos um arco do tempo interessante do piano no Rio de Janeiro, de 1856 a 2014. Lembro da animação de todos com essa incumbência de compor para piano – especialmente Itamar e Maria Teresa, raramente solicitados na seara da composição.

AD: Este período de nossa música brasileira (meados do século XIX) ainda é pouco pesquisado. O que mais lhe surpreendeu durante a pesquisa?

RA: Várias coisas. A riqueza da cena musical, ainda que fortemente influenciada pela música europeia. A quantidade de profissionais que viviam de música – professores, instrumentistas, compositores, arranjadores, maestros, cantores. A sensação de que o Rio de Janeiro – conhecido, na época, como Pianópolis – era uma cidade vocacionada para a música, e, em especial, para o piano. A constatação de que muitos nomes fortes do período, como Eduardo Ribas e J. J. Goyanno, foram relegados, infelizmente, ao mais completo esquecimento pelas gerações seguintes. 

AD: O livro é dedicado a Lucy Tepedino, sua primeira professora de música e piano. Como o piano tem permeado sua vida?

RA: O piano é uma válvula de escape, uma zona de relaxamento, para mim. Acabei me fixando no popular. Tenho leitura boa, toco também por cifra, então, se me deixam, fico horas me acompanhando, compondo, é uma curtição pra mim, uma cachaça. O clássico foi ficando de lado, nunca tive essa pretensão, essa vocação para a técnica. Nessa praia me tornei um ouvinte esforçado. Um dia volto a fazer um trabalho me acompanhando ao piano. Fiz isso durante alguns anos no piano-bar Chega de Saudade, do João Antônio Lima, hoje meu amigo. Sinto a maior falta, mas como me multiplico em muitas áreas de atuação, é possível que isso ainda demore um pouco a acontecer. Quem sabe?

AD: Uma grande novidade que vimos nos últimos anos é o surgimento da Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional (memoria.bn.br). Como este portal influenciou nas suas pesquisas?

RA: Sou adicto, devoto, da Hemeroteca. Divido a pesquisa no Brasil em antes e depois dela. Que ferramenta incrível! Lembro que durante a pesquisa para a biografia do Wilson Baptista – cansado de bater ponto na Biblioteca Nacional para fazer busca, muitas vezes cega, por quilômetros de microfilmes – eu pensava no futuro remoto em que se poderia pesquisar por palavra-chave, de uma vez só, todo aquele material.

Prestes a iniciar o livro, me deparei com a Hemeroteca, recém-lançada, e quase pirei. Estiquei o prazo de entrega e mergulhei uns três meses só nela. A Hemeroteca permite um nível de detalhamento e cotejamento de informação antes inédito. É absurdo. Graças a ela, por exemplo, pude apurar informações sobre os até então obscuros pianistas compositores do Álbum Pitoresco que renderam páginas, façanha que seria quase impossível de outra forma.

AD: Em 2013, você publicou o livro “Wilson Baptista – O samba foi sua glória” (Editora Casa da Palavra), com uma incrível pesquisa sobre a carreira deste sambista primordial. Por quanto tempo você se dedicou à pesquisa do livro, e que métodos utilizou?


Capa do livro "Wilson Baptista - O samba foi sua glória", arte de Sergio Campante

RA: Fui tocando a pesquisa durante cerca de 10 anos, em paralelo com outras atividades, de forma empírica, na medida da minha paixão pelo assunto. Aprendi fazendo. Mais à frente, acertei o compasso em oficinas com Carlos Didier e Ruy Castro. De início, li tudo o que havia sido escrito sobre Wilson, todos os livros sobre música popular brasileira que você pode imaginar – e também sobre os temas correlatos, como a cidade natal Campos dos Goytacazes (o que me rendeu ótimas histórias sobre o avô materno, abolicionista ferrenho), Lapa, malandragem, história do samba, do disco, do rádio, Getulio Vargas, Café Nice, direito autoral. Como falei acima, percorri quilômetros de microfilmes na Biblioteca Nacional: Carioca, Revista do Rádio, O Cruzeiro, A Voz do Rádio. Fucei partituras e periódicos na Divisão de Música da FBN. Decupei mais de 40 entrevistas de contemporâneos do Wilson, da série Depoimentos Para Posteridade, do MIS. Frequentei o IMS, que abriga o fantástico acervo do Tinhorão. E entrevistei todos os coroas que ainda estavam por aqui em meados dos anos 2000. Mais de cem entrevistas. Jorge Goulart, Roberto Silva, Roberto Roberti, Roberto Paiva, Dercy Gonçalves, Ademilde Fonseca, Emilinha Borba... até a Cecy do Noel Rosa, que encontrei morando no Irajá! Enfim, a sensação que fica é a de que cursei uma segunda faculdade, de Música Popular Brasileira, com ênfase em Samba, tendo como orientador o professor Wilson Baptista de Oliveira.

AD: O livro ficou em o 2º lugar no Prêmio Jabuti de 2014, na categoria biografia, um grande reconhecimento. Seu texto de fato preza pela qualidade literária, atraindo o leitor cada vez mais para dentro da história. Que escritores são referência para você nesta área?

RA: Ganhar o Jabuti com meu primeiro livro foi muito recompensador, devo isso à minha mulher, Carol Miranda, da Marraio Cultural, que obteve o patrocínio da Natura e administrou a empreitada, e também a Ana Cecília Impellizieri Martins, responsável pelo projeto dentro da editora Casa da Palavra. Entre os biógrafos, curto muito o Carlos Didier (pelo rigor), o Ruy Castro (pelo charme) e o Sérgio Cabral (pelo despojamento). Mas sou muito ligado a outros escritores “não biógrafos”, como Marques Rebelo, João Antônio e Arthur Azevedo, acho que isso também acaba refletindo na minha escrita.

AD: Você também organizou o livro de partituras intitulado “Wilson Baptista – Cancioneiro comentado”. Como foi o processo de escolha do repertório? As melodias foram transcritas a partir de partituras da época ou de gravações?


Capa e contracapa do álbum "Wilson Baptista - Cancioneiro Comentado"

RA: A escolha do repertório foi difícil, como tudo o que envolve recortar a obra imensa e espetacular do Wilson. Cerca de cem músicas entraram no cancioneiro e, acredite, ficou muita coisa boa de fora. Isso é um feito e tanto do Wilson: ter realizado uma obra tão grande, em termos numéricos, e de tanta qualidade. Coisa rara de se ver.

Como eu tinha as partituras originais para piano de muitas das músicas selecionadas, passei tudo para o Ricardo Gilly, responsável pela editoração, achando que isso seria providencial para ele. Mas a escrita de grande parte dessas partituras da década de 1940 se revelou dura, datada, e o mais prático e certeiro, afinal, foi transcrever tudo diretamente das gravações. Gilly teve um mega trabalho num curto espaço de tempo, foi muito guerreiro. Foi mais um projeto com a Marraio Cultural, dessa vez em parceria com a Irmãos Vitale.

AD: Das 720 músicas que Wilson Baptista escreveu, ainda há muitas desaparecidas?

RA: Há muitas letras cujas melodias se perderam. Ainda devem pintar algumas por aí. Volta e meia descubro um Jornal de Modinhas antigo com alguma letra desconhecida assinada por ele. Às vezes, eram músicas cantadas em rádio e que até faziam sucesso, mas não chegavam a ser gravadas. Melodias, acho difícil aparecerem, mas tudo pode acontecer.

Já músicas inéditas ainda há dezenas, tenho muitas comigo. Algumas entraram no CD duplo que produzi com a Zucca, O samba carioca de Wilson Baptista, ganhador do Prêmio da Música Brasileira de Melhor Projeto Especial. Como “Rei Chicão”, “Louca alegria”, “Transplante de coração”, “Interessante”, “Essa mulata”, “Nelson Cavaquinho”. Uma nova fornada de inéditas estará na caixa de CDs que o Omar Jubran está produzindo com as primeiras gravações de tudo do Wilson, a exemplo das caixas que fez de Noel Rosa e Ary Barroso. Chamei amigos cantores, como Marcos Sacramento, Ilessi, Pedro Paulo Malta, Nina Wirtti, Ronaldo Gonçalves e Claudia Ventura, e gravamos versões em voz e violão delas, com acompanhamento de Luis Barcelos, Nando Duarte e Rafael Mallmith. Wilson é um baú sem fim, é impressionante.

AD: Você comenta que sua obra estava bastante abandonada quando iniciou a pesquisa. Que outros nomes da música brasileira você acredita estarem nesta situação?

RA: Muitos. Herivelto Martins é um deles, tem uma obra imensa, sambas maravilhosos, mas o que se conhece dele ainda é muito pouco frente ao volume de sua produção. Haroldo Barbosa é outro segredo a ser revelado. Geraldo Pereira já foi motivo de alguns trabalhos, mas acho que merece novos mergulhos. Sinhô, outro gênio. Cantoras como as irmãs Linda e Dircinha Batista, Aracy de Almeida, ainda não tiveram biografias de fôlego... E por aí vai.

AD: Em 2016, foi estreada a comédia musical “A cuíca do Laurindo”, assinada por você. Pode nos falar a respeito dela?

 
Rodrigo Alzuguir e elenco de "A Cuíca do Laurindo", fotos de Renato Mangolin

RA: Era um projeto antigo levar para os palcos esse personagem delicioso criado por Noel Rosa (no samba “Triste cuíca”) e levado adiante por Wilson, Herivelto e outros craques. A história de Laurindo estava espalhada por diversos sambas, era uma espécie de folhetim inacabado, embaralhado, escrito coletivamente por esse timaço, nos anos 1940, entre xicrinhas do Café Nice. Reuni os sambas todos e trabalhei para dar sentido a eles, criando a dramaturgia de trás pra frente: primeiro veio o repertório musical, depois o “libreto”. Me senti muito honrado em mexer com as obras desses meus heróis e emocionado em ver personificada, no palco, toda aquela galeria de tipos criados por eles – Laurindo, Zizica, Conceição, Tião, Zé da Conceição, Dodô e outros. É um universo que me fascina muito. 

AD: Quais são seus projetos futuros? Você está se dedicando a uma nova pesquisa?

RA: Estou com um documentário sobre Clara Nunes estreando no Festival do Rio e no MIMO, fruto de muitos anos de pesquisa: “Clara Estrela”. É minha primeira direção, a convite da Susanna Lira, da produtora Modo Operante – compartilho essa função com ela, além de assinar o roteiro. Curti bastante o resultado do trabalho, todo costurado por declarações de Clara em TV, rádio e jornal (essas últimas, na voz da Dira Paes). Só temos a Clara falando no filme – com exceção de pequenos trechos em off de Vinicius de Moraes, Paulo Gracindo e Artur da Távola. E conseguimos uma façanha: encontramos as imagens de uma participação da Clara na TV sueca, nos anos 1970, inéditas no Brasil.

Apesar de não me considerar um biógrafo, abracei há dois anos o desafio proposto por um amigo, e estou preparando uma nova biografia, de um grande nome da música brasileira. Tenho trabalhado firme para que o resultado esteja à altura do biografado e um livro bem bacana sobre ele chegue às livrarias nos próximos anos. Em breve divulgarei aqui pelo IPB, em primeira mão, mais detalhes sobre esse trabalho. 


Cartaz do filme "Clara Estrela", arte Renata Alzuguir sobre foto de Iolanda Huzak