Barrozo Netto – aluno de Chiquinha Gonzaga

Em homenagem ao dia do professor, 15 de outubro, gostaríamos de divulgar uma descoberta inusitada.

 
Barrozo Netto (data desconhecida, provavelmente primeira década de século XX, coleção de Aloysio de Alencar Pinto, doada ao IPB) e Chiquinha Gonzaga (1894, fonte: site ChiquinhaGonzaga.com).

Na caixa nº 43 do Acervo Chiquinha Gonzaga, mantido pelo Instituto Moreira Salles – RJ, descobrimos recentemente uma edição rara da valsa Antonieta, de Barrozo Netto, com a seguinte dedicatória manuscrita na capa: "À minha Professora D. Francisca Gonzaga. Oferece seu discípulo Barrozo Netto. Setembro de [18]94".


Capa da partitura da valsa Antonieta, de Barrozo Netto, publicada em 1894 ou antes (Casa Vieira Machado, número de chapa 228)


Detalhe da dedicatória manuscrita de Barrozo Netto a Chiquinha Gonzaga na capa da partitura.

Este achado mostra uma ligação de professor/aluno até então desconhecida entre Chiquinha Gonzaga (1847-1935) e Joaquim Barrozo Netto (1881-1941), que foi um de nossos pianistas mais importantes, além de compositor, regente e professor de piano.

As “genealogias pianísticas”, isto é, a rede que interliga professores e alunos, consolidando as diferentes escolas, ainda são pouco estudadas no Brasil (uma exceção notável é o livro de Licia Lucas e Marne Serrano Caldera intitulado “A genealogia do piano”, 2010). Em relação a Barrozo Netto, o que se sabia até então é que estudou com Frederico Mallio (amigo-rival do Nazareth) por volta dos 9 anos, quando lhe dedicou a sua "Primeira Gavota", revelando-se um prodígio, e depois com Alfredo Bevilacqua, quando ingressou no Instituto Nacional de Música, já no início do século XX.


Cabeçalho da Primeira gavota, de Barrozo Netto, dedicada a Frederico Mallio (edição Ernesto Augusto de Mattos, número de chapa 27 E. A. M.)


Frederico Mallio, primeiro professor de Barrozo Netto, detalhe da capa de partitura “Rimembranza di Chopin”, edição do autor, ca. 1913.

O que temos aqui é um Barrozo Netto adolescente, que em 1894 tinha 13 anos, dedicando uma valsa "a sua professora Sra. D. Francisca Gonzaga", aliás bem no estilo chiquiniano e nazarethiano, e ainda inédita em gravação.

Como Barrozo Netto foi um dos maiores pianistas que o Brasil já teve (um papel ainda pouco compreendido e estudado), e que, além de virtuoso, foi professor de outros grandes pianistas, como Arnaldo Estrella e Aloysio de Alencar Pinto, podemos afirmar que ele foi um dos alunos mais importantes de Chiquinha. 

Ver Chiquinha Gonzaga como parte da formação de Barrozo Netto (depois de Frederico Mallio e antes de Alfredo Bevilacqua) é algo que chama a atenção, e aponta para a necessidade de estudarmos mais esta faceta pouco explorada da Chiquinha-professora.

Na obra de Chiquinha, algumas de suas dedicatórias nos dão algumas pistas:

Polca inglesa “Ada” [data desconhecida] - “A minha discípula Ada Baduchi”,

Polca “Gruta das flores” [ca. 1887] - “Às minhas discípulas”

Habanera “Leontina” [1889] - “À minha distinta discípula Leontina Gentil Torres”

Valsa de salão “Juraci” [ca.1897] - “Ao meu discípulo Raimundo Rocha dos Santos”

As datas das composições mostram, portanto, que Chiquinha estava em plena atividade como professora entre pelo menos 1889 e 1897. A valsa Antonieta, de Barrozo Netto, cuja dedicatória impressa é a um certo Adolpho Cardozo (o nome de Chiquinha aparece apenas manuscrito na capa), pode ter sido publicada em 1894, ou um pouco antes – será necessária uma pesquisa em jornais da época e também uma comparação entre números de chapa para se ter certeza – e esta data é coerente com as datas mencionadas nas outras partituras acima.

O mapa mental abaixo mostra a genealogia pianística em que Barrozo Netto está inserido, seja como professor ou aluno. Reparem que, entre os professores de seus professores, encontramos: Cavalier Darbilly, Arthur Napoleão, Isidoro Bevilacqua, Theodor Leschetizky e George Mathias, grandes mestres nascidos no século XIX. E se formos um nível acima, chegamos a Marmontel, Thalberg, Herz, Czerny e Chopin. Uma linhagem notável!

Entre os alunos diretos de Barrozo Netto, citamos Arnaldo Estrella, Homero de Magalhães, Aloysio de Alencar Pinto, Waldemar Henrique e Aires de Andrade, e poderíamos continuar esta linhagem por mais duas ou três gerações para baixo (isto é, os alunos de seus alunos, como Jacques Klein, que foi aluno de Aloysio de Alencar Pinto; ou Fernando Lopes, que foi aluno de Arnaldo Estrella), até chegarmos a pianistas atuais.

Neste link podemos ouvir uma raríssima gravação, em que o próprio Barrozo Netto executa duas de suas peças: No Ferreiro, e Sinos da Aldeia (78-RPM Odeon 10109-B, lançado em janeiro de 1928).

Ainda há muito a ser pesquisado sobre este tema, e pretendemos aprofundar esta pesquisa para outros pianistas brasileiros.

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Alexandre Dias

Agradecemos a Bia Paes Leme e ao Instituto Moreira Salles, que permitiram a divulgação das imagens da partitura de Barrozo Netto presente no acervo Chiquinha Gonzaga.