naturalidade
Rio de Janeiro
fontes
BARROS, Roque Spencer Maciel de. A Evolução do Pensamento de Pereira Barreto. São Paulo: Editora Grijalbo, 1966.

DICIONÁRIO CRAVO ALBIN DA MÚSICA POPULAR BRASILEIRA. Rio de Janeiro: Francisco Alves Editora, 1995.

ENCICLOPÉDIA da Música Brasileira Popular, Erudita e Folclórica. São Paulo: Art Editora, 1998.

SANTOS, Lenine Alves dos. A canção de Benjamin Barreto da Silva Araújo: resgate da obra vocal de um compositor brasileiro. Campinas: FAPESP/UNICAMP, 2014. (Pesquisa de Pós-doutoramento).

SOUZA, Miranda Bartira Tagliari Rodrigues Nunes de. O Clube do Choro de São Paulo: arquivo e memória da música popular na década de 1970. Dissertação de Mestrado. São Paulo: UNESP, 1999.
Atualizado em 24.06.2018
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Benjamin Silva Araújo

N. 31 de Outubro de 1902
F. 10 de Outubro de 1985
Por Lenine Santos

Benjamin Barreto da Silva Araújo, pianista, compositor, regente, professor e poeta, nasceu em 1902 na cidade do Rio de Janeiro, àquela época Capital Federal, numa família que privilegiava e cultivava a música clássica, tendo vivido e aprendido também no rico ambiente do choro carioca do início das décadas de 1920 e 1930, convivendo com grandes artistas que hoje são nomes de referência na história do desenvolvimento desse gênero musical. No teatro de revista, nos acompanhamentos ao piano de filmes mudos no cinema, nos shows em cassinos, saraus, bailes, cafés e cabarés do velho Rio de Janeiro, adquiriu a veia boêmia que conservou por toda a vida, e de que sua obra musical se impregnou, aprofundando sua visão da vida e dos homens, que se revelou musicalmente em sua obra. Professor por contingência, logo encontrou também nessa tarefa uma vocação, inspirando gerações de alunos que passaram por suas mãos.

Sua mãe, Eurydice de Sá Barreto, era uma pianista amadora, e participava da Orquestra de Câmara de Nova Friburgo, dirigida pelo seu irmão Homero de Sá Barreto, tio de Benjamin e uma de suas primeiras influências musicais. Bráulio da Silva Araújo, seu pai, era também pianista e, segundo o próprio Benjamin “executava operetas inteiras desde a abertura até o final, de modo quase perfeito”. O avô materno, Cândido Pereira Barreto, foi deputado pela antiga província do Rio de Janeiro, irmão de Luiz Pereira Barreto, um médico importante na erradicação de várias doenças infecciosas no Rio de Janeiro, e de Virgínia de Sá Barreto, exímia pianista. O avô paterno Francisco Manuel da Silva Araújo, imigrante português, fundou no Brasil uma das indústrias farmacêuticas pioneiras do Brasil, a ‘Silva Araújo & CIA’, que ficou conhecida pelo seu famoso ‘Vinho Reconstituinte Silva Araújo’.

A infância do compositor transcorreu entre as cidades do Rio de Janeiro e Nova Friburgo, onde a família tinha faustosa residência, num ambiente de discussões de ideias políticas e planos de empreendimentos industriais. A referência musical era forte, no entanto, com a presença do seu tio, o já citado Homero de Sá Barreto, compositor de grande estro, e que privava da amizade de personalidades importantes do mundo musical e literário brasileiro, dentre elas Menotti Del Pichia e Heitor Villa-Lobos, que compôs peças especialmente para a orquestra do amigo, em suas estadas ali.

Dois de seus seis irmãos também trilharam caminhos no mundo artístico: Armando Silva Araújo, pianista e compositor, compôs canções populares, choros e obras ligeiras; e Aloísio Silva Araújo, que foi parceiro de Armando nas letras de várias canções e fez sucesso em programas humorísticos de rádio, tendo também feito carreira como pianista, integrado o ‘Grupo dos Turunas’, liderado por Aníbal Augusto Sardinha, o ‘Garoto’.

A educação musical formal do compositor se iniciou aos 10 anos de idade, em 1912, em aulas de piano do professor Higino Mancini, em Nova Friburgo, e mais tarde no Rio de Janeiro onde cursou ginásio no Instituto La-Fayette.

Em 1919, aos 17 anos, iniciou sua vida profissional como pianista tocando em bailes familiares e agremiações dançantes, ambiente em que conheceu e conviveu com músicos populares que se tornariam referências na evolução da música popular urbana brasileira, como o célebre José Barbosa da Silva, o ‘Sinhô’ e Osvaldo Cardoso de Menezes Filho. Adquiriu, dessa maneira, um vasto repertório de valsas, maxixes, polcas, serestas, choros e tangos brasileiros.

Ao terminar o curso ginasial, dedicou-se aos estudos preparatórios com a professora Rinalda Côrtes para ingressar no Instituto Nacional de Música, instituição do Rio de Janeiro onde teve sua formação técnica e teórica mais consistente, bem como suas maiores influências estéticas, convivendo com personalidades como a compositora Celeste Jaguaribe de Faria, que foi sua professora de teoria e solfejo, o compositor, pianista e regente Agnelo França, que lhe ensinou harmonia, e o pianista e compositor Henrique Oswald, que foi o responsável pela sua formação pianística e exerceu uma ação determinante em suas posteriores escolhas estéticas, perfeitamente reconhecíveis em sua criação camerística de canções, na busca de uma linguagem que procura respeitar a tradição clássica, porém estabelecendo simultaneamente um estilo original e brasileiro.

Ao terminar o curso no Instituto Nacional de Música, interrompeu o prosseguimento dos estudos ao ser sorteado para o serviço militar e, convidado por um superior hierárquico para integrar como pianista um clube de choro – o ‘Mimosas Cravinas de Botafogo’ – em seus momentos de folga, teve a oportunidade de tocar e conviver com muitos músicos virtuoses nos gêneros populares, adquirindo o know-how do acompanhamento de choros com todas as suas complexidades modulatórias e de improvisação. A experiência seria definida por Benjamin como o seu ‘curso acadêmico de choro’, já que a prática de música popular não era ensinada nos conservatórios e academias, e deixaria uma marca indelével em sua criação. De sua literatura pianística constam 12 choros para piano solo – dentre eles o “Choro Cromático”, premiado no Festival Brasileirinho da TV Bandeirantes, de 1977 – mais um choro para piano a quatro mãos e um para dois pianos.

Ao final de seu período de serviço militar, em 1925, em busca de colocação profissional, transferiu-se para Riberão Preto (SP), cidade onde seu tio Homero de Sá Barreto desenvolvera um trabalho musical importante como professor e compositor, tendo falecido um ano antes, deixando ali um vácuo que Benjamin veio a ocupar. Trabalhou naquela cidade em colaboração com o maestro Ignácio Stabile, como seu assistente e como pianista, tendo algumas de suas primeiras composições estreadas em apresentações regidas pelo maestro italiano, como comprovam alguns programas de concertos da época. Também deu aulas de Canto Orfeônico na Escola Normal do Colégio Santa Úrsula, e teoria musical, piano e violão na Instituição Universitária Maura Lacerda.

Em 1927, ano de composição de suas primeiras canções, esteve presente nas salas de concerto de Ribeirão Preto, acompanhando ao piano solistas que se apresentavam na cidade. Nestes concertos apresenta também números solo, com repertório pianístico romântico que incluía Frederic Chopin e Sergei Rachmaninoff.

Devido à ligação familiar com as cidades do Rio de Janeiro (RJ), Cruzeiro (SP), Itatiaia (RJ) e Campos de Jordão (SP), passava sempre nestas cidades temporadas de férias, atuando nelas eventualmente como instrumentista e compositor. Campos do Jordão esteve sempre presente em sua vida e na de seu irmão Armando, pois ambos tinham problemas pulmonares desde crianças e eram enviados para temporadas naquela cidade famosa por seus sanatórios e pelo clima propício à recuperação. Franzino e de baixa estatura, Benjamin era, além do mais, fumante.Naquela cidade estreou em 1931 a revista em 2 atos O Homem Chegou, para a qual compôs toda a parte musical.

            De sua residência em Ribeirão Preto datam também as composições para piano “Pequena Polonaise” (1940), 7 ‘Mini-valsas’ (1940), a “Sonata Popular” (1941) e as Toadas 1, 3 e 4, dedicadas a Adolfo Tabacow, Agostinho Cantú e Oscar Lorenzo Fernandez.

A mudança de Ribeirão Preto para a cidade de São Paulo aconteceu em 1942, quando imediatamente foi contratado como pianista pela Rádio Record, permanecendo ali até 1945.

Transferiu-se em 1946 para a cidade do Rio de Janeiro, onde regeu as orquestras da Rádio Mayrink Veiga e da Rádio Continental. Lecionou também no Instituto La Fayette, onde havia cursado o ginásio.

Em 1948 Silva Araújo recebeu um convite para realizar a direção musical do filme Luar do Sertão (1949), de Mário Civelli, trabalho que o trouxe de volta a São Paulo, onde permaneceria por 15 anos. Acolhido na Rádio Bandeirantes, ali trabalhou como pianista, regente, arranjador e compositor até 1956, quando se transferiu para a TV Record. Durante todo este período paulistano compôs diversas obras requisitadas pelo seu trabalho nas rádios e TVs, que incluíam canções, aberturas e música incidental para programas variados. Em seu acervo há novelas de rádio escritas por ele – que não sabemos se chegaram a ser veiculadas – e para as quais também produziu material musical. Paralelamente ao trabalho nas rádios, compôs música para teatro de revista, em peças que eram estreadas em casas importantes, como o Teatro Cultura Artística, onde estreou, por exemplo, a peça musical Três Filhos Não É Brincadeira, de 1957.

Viagens para a realização de tournées com artistas das rádios, shows, concertos e trabalhos diversos foram frequentes, tanto nas cidades dos estados de São Paulo e do Rio de Janeiro como nos estados do nordeste. A composição da canção “Minha Ama”, de 1939, com texto de Luis Peixoto, realizada na cidade de Salvador (BA), nos dá pistas de sua atuação mais ampla em nível nacional.

No ano de 1963, Benjamin Silva Araújo muda-se para a cidade de Resende (RJ), onde logo se destaca no cenário musical da cidade, fundando e dirigindo a Academia Resendense de Artes, que teve grande inserção na cultura resendense.

Além do trabalho na Academia em Resende, o compositor lecionou no Colégio Dom Bosco e na Escola Normal, e criou a Sociedade Coral Santa Rosa. Sua participação como articulista nos Jornais A Lira e Correio Fluminense foi intensa, com ênfase em assuntos musicais, mas dedicando-se às vezes a temas sociais e políticos. É desta época a maioria de suas canções com texto do poeta Guilherme de Almeida, o início da revisão e organização de seu cancioneiro em conjuntos distintos, e a composição de obras publicadas pela Editora Irmão Vitale, de São Paulo, como “Inverno” e “Petite polonaise”, para piano solo.

Em 1971, regressa a São Paulo, alternando trabalhos como músico ‘da noite’ com temporadas para recuperação de sua saúde respiratória em sua propriedade em Campos de Jordão, na Chácara Santa Eurídice. Em São Paulo, trabalhou com o conjunto que se apresentava no Restaurante do Terraço Itália, à época um ambiente associado ao requinte e à visibilidade social.

Em 1973, mudou-se para a cidade de São José dos Campos (SP), ganhando destaque na vida cultural da cidade, apresentando obras suas nos saraus e concertos, contribuindo com artigos para periódicos locais, e dando aulas de piano na Escola de Música Art Studio.

           

Em 1975, Benjamin procurou em São Paulo a conhecida cantora Lenice Prioli, grande pesquisadora e intérprete do repertório nacional, a quem muito admirava, e lhe apresenta o conjunto de sua obra vocal de câmera. Lenice se surpreendeu com a qualidade das canções e decidiu realizar um recital apresentando 14 canções do compositor, no Auditório do Museu de Arte de São Paulo - MASP.

Em 1976, Benjamin Silva Araújo junta-se ao Clube do Choro de São Paulo como sócio fundador e presidente nas gestões de 1977 e 1978. O Clube reunia artistas importantes ligados ao choro e ao samba, como Paulinho da Viola (1942), Arthur Moreira Lima (1940), Amilton Godoy (1941), Carlos Poyares (1928-2004), José Ramos Tinhorão (1928), Paulo Vanzolini (1924-2013), entre dezenas de outros, capitaneados pelos jornalistas Sérgio Gomes da Silva e Osvaldo Vitta, o “Colibri”.

Entusiasmada com as atividades e resultados dos trabalhos do Clube em 1977, a TV Bandeirantes lançou o Primeiro Festival de Choro, o ‘Brasileirinho’, no qual o compositor inscreveu seu “Choro cromático”. Respeitando a forma e estrutura harmônica do choro tradicional, a peça, no entanto, incorporava novidades melódicas, de dinâmica e de variações de tempo. Dentre as inovações, a mais importante era o uso de cromatismos constantes, que era um elemento importante do estilo de escrita do compositor. Tais inovações provocaram polêmica entre os conservadores e os tradicionalistas, que compunham tanto o público quanto o corpo de jurados.

A obra foi gravada em um LP que reuniu todas as músicas finalistas, lançado pelo selo Bandeirantes Discos, e foi a última composição registrada do compositor.

A partir do escasseamento das atividades do Clube do Choro no final de 1978, e do declínio de seu estado de saúde, vindo a sofrer com crises respiratórias mais frequentes, Benjamin começou a se dedicar sistematicamente à organização e revisão de sua obra, principalmente as canções, trabalho que ficaria incompleto com a piora de seu estado de saúde, faltando ainda realizar a parte pianística de 8 canções do catálogo que programou. Também se dedicou à divulgação de sua obra, fato evidenciado pela sua correspondência com os amigos músicos e professores, como o amigo compositor Calimério Soares, de quem recebe encomendas de obras e arranjos, e para quem envia suas obras para piano e música de câmera para serem incluídas nos programas de ensino da Universidade Federal de Uberlândia - UFU.

Em meados de 1985, enfraquecido pela doença, foi levado para junto do irmão Armando, em Maricá (RJ), e lá viveu alguns meses, sob os cuidados da família. No mês de outubro o compositor teve de ser transferido à casa do sobrinho Luís Araújo, no Rio de Janeiro, e tratado por enfermeiros em casa, até que sua insuficiência respiratória exigiu tratamento hospitalar e, no dia 10 daquele mês foi internado no Hospital da Lagoa, onde faleceu.

Seu catálogo de canções conta com 40 obras, organizadas nos seguintes conjuntos: Canções Românticas – 1a série [“Primeiro amor” (Texto: Alberto de Oliveira); O coração” (Texto: Castro Alves); “Ah! Morra em mim esse amor” (Texto: Alberto de Oliveira)], Canções Românticas – 2a Série [“Incoerência” (Texto: Alberto de Oliveira); “Alegria” (Texto: Mozart Firmeza); “Felicidade” (com texto de Cléomenes de Campos); “Eu te adoro” (Texto: Guilherme de Almeida)], Canções Românticas – 3a Série [“Hesitação” (Texto: Menotti del Picchia); “Dolora” (Texto: Alberto de Oliveira); “Cuidado” (Texto: Guilherme de Almeida); “Mal-me-quer” (Texto: Guilherme de Almeida); “Hoje voltas-me o rosto” (Texto: Guilherme de Almeida)], Canções Românticas – 4a Série [“Felicidade” (com texto de Guilherme de Almeida); “Silêncio” (Texto: Guilherme de Almeida); “Lembrança” (Texto: Sarah Marques); “Matinas” (Texto: Sarah Marques)], Populares sobre versos de Guilherme de Almeida [“Spleen”; “Amor, felicidade”; “Pequenino mundo”; “Dor oculta”], Miniaturas [“Vida” (Texto: Suzanna de Campos); “Tudo se acaba” (Texto: Alberto de oliveira); “Arte de amar” (Texto: Vicente de Carvalho); “Amor” (Texto: Menotti del Picchia), Canções Esparsas [“Josesinho” (Texto: Adolpho Portela); “Cançoneta do aquário” (Texto: Oliveira Ribeiro Neto); “Spés, última déa” (Texto: Lorenzo Stecchetti); “Sonata sin nombre” (Texto: Amalia Fernandez); “Saudade” (Plínio Travassos dos Santos)], Brasilienses [“Canção sem importância” (Guilherme de Almeida)]; “Ciranda, cirandinha” (Menotti del Picchia); “Ansiedade” (Ladislau Romanowsky)], Outras Canções [“Pai João” (Texto: Oscar Guanabarino); “Minha ama” (Luiz Peixoto); “Malvadinha” (Benjamin Silva Araújo); “Rosinha das Rendas” (Texto: Capitão Barduíno); “Folha de outono” (Texto: Murilo Antunes Alves e Osvaldo Moles); “Só você” (Texto: Maria Ortega); “Soldados verdes” (Texto: Cassiano Ricardo); “É bom que dói” (Texto: Benjamin Silva Araújo)].

                   De sua obra para pianística, cujas datas de composição vão de 1920 a 1977, constam 12 choros para piano solo; 2 prelúdios; 7 mini-valsas; 4 toadas; 3 cenas brasilienses; 6 sertanejas; 6 obras para o ensino do piano; 1 choro para piano a quatro mãos; 1 choro para dois pianos, além de duas Fantasias para piano e orquestra: Fantasia sobreOnde o céu é mais azul’, de Carlos Alberto Ferreira Braga (1907-2006), mais conhecido sob os pseudônimos de João de Barro ou Braguinha; e Fantasia sobreCarinhoso’, de Alfredo da Rocha Viana Filho (1897-1973), o Pixinguinha.

                   Sua música de câmara traz 1 obra para violino e piano; 1 obra para violoncelo e piano; 1 obra para violão e piano.

                   Compôs também 17 canções populares, estreadas e algumas gravadas por cantores das rádios em que trabalhou.